A não incidência do IPI sobre veículos importados

Compartilhe

642 segundos

Carros importados

Novidades Tributárias – A não incidência do IPI sobre veículos importados

A discussão acerca da incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”) sobre a importação de automóveis por pessoas naturais (físicas) tem tomado novamente grande relevância nos debates tributários.

Em caso da importação de um veículo que pretende utilizar para uso próprio, o consumidor se vê obrigado a recolher o IPI conforme exigência da Receita Federal do Brasil, com esteio no art. 46, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN)[1].

Ocorre que essa exigência fiscal afronta a Constituição Federal, a qual, no inciso II do § 3o do art. 153[2], estabelece que o IPI é não-cumulativo, e o consumidor, por ser um particular, não é contribuinte do referido tributo, e, por conseguinte, está impossibilitado de proceder à compensação posterior prevista no mencionado dispositivo constitucional.

A matéria tem grande importância para importadores de automóveis, porque o IPI comporta grande despesa depreendida na operação, de modo que seu não pagamento representaria economia monetária considerável. Segundo dados levantados, o pico de número de importações registradas pela Receita Federal se deu em 2011, com 1.240 veículos trazidos ao país, quantidade esta que foi caindo ano a ano, até a quantidade de 769 carros em 2013[3].

Neste contexto, muitos têm discutido a constitucionalidade dessa incidência. Não obstante o Supremo Tribunal Federal (“STF”) possuir precedentes em ambas as Turmas pela sua inconstitucionalidade[4], o tema nunca foi tratado de maneira definitiva na Corte Suprema, de modo que o entendimento poderá ser pacificado no julgamento do RE 723.651/PR, sob o rito de Repercussão Geral.

IPI – IMPORTAÇÃO – PESSOA NATURAL – AUTOMÓVEL – AUSÊNCIA DE ATIVIDADE EMPRESARIAL DE VENDA – AFASTAMENTO PELO JUÍZO – INCIDÊNCIA DO TRIBUTO RECONHECIDA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI na importação de veículo automotor, quando o importador for pessoa natural e o fizer para uso próprio, considerados ainda os limites da lei complementar na definição do sujeito passivo.

 

Importante destacar que o julgamento foi suspenso, no final de 2014, com retomada em 08.10.2015, após jejum de poucos mais de um ano. Na oportunidade do início do julgamento, o Ministro Relator Marco Aurélio proferiu seu voto, contrário aos contribuintes, entendendo pela incidência do imposto.

Verifica-se que o IPI tem suas hipóteses de incidência definidas no, já citado, artigo 46 do Código Tributário Nacional, quais sejam: i) o desembaraço aduaneiro; ii) a saída do estabelecimento do industrial ou equiparados; e iii) na arrematação de bens em leilão.

Além disso, esse imposto é seletivo na definição de suas alíquotas e está sob a forma de apuração não-cumulativa por princípio/regra constitucional[5], devendo ser registrado seu débito na entrada dos produtos e o crédito na saída, como técnica para não onerar demasiadamente o produto em sua forma final, ao contrário do caso em que incidisse no formato dos tributos cumulativos, claramente não pretendida pelo constituinte.

Assim, o IPI incide na cadeia de produção de modo que em cada período o contribuinte recolherá, no final da apuração, o montante correspondente ao que agregou de valor aos produtos, ou seja, o IPI incidente sobre seus valores de saída, descontados os montantes pagos na entrada.

Neste contexto, destacamos dois pontos importantes da argumentação tratada no voto do Ministro Marco Aurelio: i) de que a não-cumulatividade não pode ser arguida como forma para lograr indiretamente uma imunidade tributaria, de modo que o IPI pressupõe sempre a existência de operações em cadeia; e ii) deve haver tratamento tributário igualitário entre produtos nacionais e importados, de modo que não admitir a incidência do IPI sobre os importados, mesmo que por pessoas físicas, feriria essa regra de igualdade.

Entendemos que o ponto central da discussão é a infringência ao princípio da não-cumulatividade, e se esse desrespeito, por conta da perda do credito devido à inexistência de uma cadeia de produção, acarretaria na impossibilidade de incidência do imposto na hipótese do art. 46, inciso I, do Código Tributário Nacional[6], na forma da pessoa física enquanto equiparada a industrial[7].

Essa discussão traz à baila diversas ponderações de princípios e regras constitucionais, tal qual a capacidade contributiva, isonomia sob a perspectiva da não-cumulatividade e sob a ótica do tratamento de produtos nacionais e estrangeiros.

Por isso, deve ser tomada a devida cautela quanto ao primeiro ponto do referido voto. Isso porque em nenhum momento objetiva-se ardilosamente obter uma “imunidade tributária indireta”, mas sim que os devidos princípios aplicáveis ao IPI sejam observados para que as pessoas não sejam obrigadas a recolher tributo indevido. Conforme destacado acima, o IPI é um imposto não-cumulativo. Se uma pessoa física importar um produto para uso próprio em que incida este imposto, por óbvio não haverá incidência em cadeia e não será possível que esse importador aproveite economicamente do credito que lhe foi atribuído quando do desembaraço, por um simples motivo: ele não é contribuinte do imposto.

Cumpre analisar, portanto, se essa ruptura na sistemática da não-cumulatividade incorre na impossibilidade de incidência do imposto por colocar em cheque sua constitucionalidade.

Entendemos que sim!

A violação ao principio da não-cumulatividade na hipótese, tendo em vista que o adquirente do produto importado não poderá dar vazão ao credito adquirido, importa na não incidência do imposto, e macula a integridade da regra-matriz de incidência tributaria do IPI.

Quanto ao segundo ponto trazido no voto, apesar de louvável o entendimento da necessidade de que os bens nacionais e importados devam estar em pé de igualdade tributaria perante o mercado interno, tal linha argumentativa é refutada por conta de outros fatores econômicos possuírem incidência no calculo dos preços de produtos importados no mercado nacional.

O preço do produto importado possui diversas variáveis. Dentre elas, claro que temos o IPI, mas também temos o frete, o imposto sobre importação e outros tributos incidentes no desembaraço, despesas com o próprio desembaraço, câmbio, e outros fatores econômicos determinantes.

Então, o IPI não é o único fator incidente no cálculo do preço do produto importado no mercado interno. Além disso, o importador, pessoa natural, se vê diante de incidência cumulativa, inconstitucional, do IPI sobre o automóvel que esta importando.

Por exemplo, ao importar dois automóveis de uma só vez, ele não poderá compensar o IPI pago em um dos automóveis com o outro, recebendo dupla carga tributária.

Não se nega tratar-se de duas hipóteses em diferentes cadeias (duas importações), mas ocorre que o importador não conseguirá aproveitar do credito do IPI de uma compra com a outra, ao contrario do que aconteceria se estivéssemos tratando desta hipótese com um contribuinte do IP.

No exemplo acima, ele poderia compensar o credito adquirido na importação do primeiro com o debito incidente na importação do segundo, respeitando o princípio da não-cumulatividade, justamente por possuir escrituração do credito e ser contribuinte do imposto, recolhendo-o por períodos.

Essa incidência cumulativa do IPI foi tratada por parte da jurisprudência, como no acórdão do Tribunal Regional Federal da 5a Região do qual se originou a inconformidade do RE 723.651, sob o seguinte argumento: de qualquer forma o contribuinte de fato seria onerado com o peso econômico do IPI por estar no final da cadeia.

Então, segundo este raciocínio, o princípio da não-cumulatividade não estaria violado porque o importador também arcaria com o custo do imposto caso adquirisse o produto no mercado interno, e dele não tomaria crédito nem o aproveitaria economicamente.

Porem, não é nesse ponto que está a infringência da não-cumulatividade. A inconstitucionalidade reside no fato de que não é possível o crédito ser aproveitado economicamente pela pessoa física enquanto importadora em incidência cumulativa e monofásica, em clara infringência ao principio da não-cumulatividade.

A questão diferencia-se com o exemplo na medida em que o IPI no caso dos produtos nacionais foi aproveitado pela cadeia produtiva nas etapas de produção, enquanto que o veículo importado recebeu a incidência do imposto em uma só operação (desembaraço), e não passou pela sujeição à sistemática da não-cumulatividade, inclusive a impossibilitando, tornando o crédito inutilizável pela pessoa natural que arcou com seu débito sozinho e em uma única vez.

Se a Constituição Federal prevê no art. 153, § 3º, inciso II, que o IPI será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;”, temos que uma forma de incidência do IPI, que não respeite a possibilidade de compensação posterior, é inconstitucional.

Como se não bastasse, o importador pessoa física também não manifesta capacidade contributiva do IPI ao adquirir produto importado do exterior. Isso porque ele utilizará o produto para uso próprio, ou seja, o produto não terá qualquer finalidade de integrar uma eventual geração de renda, o que acarreta também em infringência ao art. 145, § 1º, da Constituição Federal[8].

Importante destacar que o julgamento em tela traz ainda maior relevância com a proximidade de inicio da vigência do Novo Código de Processo Civil quanto às regras de uniformização dos precedentes, cujo resultado será de observância obrigatória pelas instâncias inferiores[9].

Por fim, entendemos que a incidência do IPI sobre produtos industrializados importados por pessoas naturais é inconstitucional, não só porque infringe o principio da não-cumulatividade, pelo fato de que o importador não conseguirá dar vazão econômica ao credito referente ao valor do IPI pago na importação, mas também por violar o principio da capacidade contributiva por conta do importador não manifesta-la pelo fato de que os produtos não serão destinados à geração de renda.

Apesar de toda a discussão, para que os veículos importados não fiquem com gravame perante os órgãos públicos, pois este ônus traria consequências práticas indesejáveis como, por exemplo, a impossibilidade de transferência da propriedade do automóvel, sugere-se que os importadores realizem o pagamento do IPI quando do desembaraço aduaneiro e concomitantemente ajuízem uma ação judicial visando a restituição.

Sendo o que tínhamos para o momento, ficamos à disposição para maiores esclarecimentos, se necessários.

Octávio da Veiga Alves, advogado da consultoria tributária do Molina Advogados

molina-logo-240

[1] Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;

[2] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

  • 3º O imposto previsto no inciso IV:

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

[3] http://carros.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/08/burocracia-dificulta-importar-carro-mas-preco-final-pode-compensar.htm

[4] Ag. Reg. no RE nº 255.090, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, DJe 08/10/2010, Ag. Reg. no RE nº 501.773, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 15/08/2008, e Ag. Reg. no RE nº 255.682, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJe 10/02/2006.

[5] Art. 153, § 3º, inciso II, da Constituição Federal.

[6] Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:

I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;

[7] Art. 9o  Equiparam-se a estabelecimento industrial:

I – os estabelecimentos importadores de produtos de procedência estrangeira, que derem saída a esses produtos (Lei no 4.502, de 1964, art. 4o, inciso I);

[8] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

  • 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

[9] Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão: (…)

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

6 respostas para “A não incidência do IPI sobre veículos importados”

  1. Excelente texto! Contudo, há uma corrente doutrinária que entende que o fato gerador do IPI não é a industrialização, mas sim a importação, no caso, de produtos importados. A partir dessa ideia, o argumento de que o importador pessoa física não é contribuinte do tributo em questão perde a eficácia. Apesar disso, o autor disserta de forma brilhante a respeito do tema, trazendo à tona questões atuais e bons argumentos.

  2. Em julgamento realizado hoje, 03/02/16, O Plenário do Supremo alterou a jurisprudência e decidiu pela incidência do IPI na importação por pessoas físicas. 🙁

  3. Fui em varios sites na internet para pesquisar sobre isso, li varios sites e nenhum se compara a esse aqui,
    seu Artigo e exelente, muito bem feito e explicativo, adorei.
    obrigado pelas informaçoes.
    desculpe o portugues estou fora do BR a anos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

ASSINE A NOSSA NEWSLETTER PARA FICAR POR DENTRO DAS NOVIDADES