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Previsto na Constituição Federal, em seu artigo 155, o ICMS é um dos impostos mais complexos e que mais gera polêmicas e discussões no nosso ordenamento Como exemplo desse debate, citamos a chamada “Guerra Fiscal”.
O QUE MOTIVA A GUERRA FISCAL ENTRE OS ESTADOS?
No início da década de 1990, com a restabilização da economia nacional e a retomada dos investimentos, os Estados iniciaram uma disputada busca pela captação de grandes investidores, bem como pela manutenção daqueles que já investiam no território.
Não obstante a Lei Complementar nº 24/75, cuja função é dispor e instituir normas sobre convênios para a concessão de isenções e benefícios relacionados ao ICMS, já estivesse em vigor há anos, foi aproximadamente nesta época que se verificou um aumento na concessão de benefícios fiscais, de forma unilateral, por diversos Entes Federativos, ou seja, sem a aprovação – ou sequer a análise – do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
A principal consequência, verificada pelos benefícios concedidos de forma unilateral pelos Estados, é a diminuição da parcela de imposto paga na saída da mercadoria, ou serviço, dando origem a um crédito que não corresponde, efetivamente, ao valor recolhido aos cofres públicos. Assim, o destinatário da mercadoria, fazendo jus ao crédito do imposto devido na operação anterior, em razão do princípio da não-cumulatividade, credita-se de “parcela maior” do que a que fora realmente desembolsada na origem.
O resultado desta pratica reiterada é o “controle de constitucionalidade” feito pelos Estados destinatários da operação que, justificando uma ilegalidade com outra, simplesmente não reconhecem os créditos decorrentes dessas operações, cujos remetentes são beneficiários de incentivos fiscais, concedidos em desacordo com a legislação de regência do imposto (Lei Complementar nº 24/75).
Assim, procedem à glosa dos créditos de ICMS, advindos das operações abarcadas pelos benefícios fiscais, bem como a cobrança da parcela relativa ao crédito aproveitado, ou seja, ao imposto não recolhido, com o acréscimo de multa e juros.
Dessa forma, verifica-se que o alvo de retaliação dos Estados, destinatários da operação, é o contribuinte, que não deveria estar incumbido da tarefa fiscalizadora, quanto à constitucionalidade de determinada norma jurídica, concessiva de benefícios, de responsabilidade da Administração Pública.
A RELAÇÃO COM A NÃO CUMULATIVIDADE DO IMPOSTO
Por ser um imposto plurifásico, cujo pagamento dissolve-se ao longo da cadeia comercial, aplica-se o princípio da não-cumulatividade, no qual compensa-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias, ou prestação de serviços, com o montante cobrado nas etapas anteriores, nos termos do § 2º, I, art. 155, CF.
Referido princípio, tem como principal objetivo evitar o conhecido “efeito cascata”, ocasionado pela incidência múltipla do tributo ao longo da cadeia comercial, no qual não seriam compensados os débitos de imposto devido com o já recolhido nas etapas anteriores de produção.
Isso ocorre em razão da supressão de parte destes créditos de ICMS, que, em decorrência de um benefício fiscal, concedido pelo Estado de origem, não foi integralmente pago pelo remetente da mercadoria ou do serviço.
O não reconhecimento dos créditos de ICMS, originários do imposto incidente nas operações antecedentes, bem como a cobrança de seu valor correspondente, acrescido de encargos legais, por parte do Estado receptor da operação de circulação de mercadoria ou serviço, acaba por atingir o princípio da não-cumulatividade, tendo em vista que essa supressão de crédito resulta na aparente incidência múltipla do ICMS em cada etapa da cadeia comercial (fabricação, distribuição, varejo, venda), como se o imposto estivesse sendo novamente cobrado com a sua alíquota integral.
EXEMPLOS PRÁTICOS DA GUERRA FISCAL
Citamos alguns procedimentos adorados pelos Estados que visam restringir o direito ao aproveitamento dos créditos de ICMS pelos contribuintes adquirentes de mercadorias advindas de beneficiários de normas fiscais editadas unilateralmente.
São exemplos, a Resolução n.º 3.166/2001 de Minas Gerais, muito criticada em razão da falta de especificidade quanto aos benefícios que seriam considerados ilegais, e o Comunicado CAT n.º 26/2004 de São Paulo, que veda, de forma expressa, sob a justificativa de orientar a fiscalização e esclarecer o contribuinte, o aproveitamento de créditos de ICMS resultantes de operações amparadas por benefícios não autorizados por Convênio celebrado no CONFAZ, determinação esta, que também consta, no Regulamente de ICMS do Estado (Dec. 45.490/00, art. 59, §§ 1º e 2º).
O que se verifica é que os Estados não buscam combater a abusividade na concessão de benefícios fiscais de forma equilibrada, mas sim, em retaliação aos contribuintes que “aproveitam-se” de Leis que, por terem sido editadas a despeito das orientações presentes na legislação complementar, também são consideradas inconstitucionais.
BANDEIRA BRANCA?
No último dia 07, o Presidente Michel Temer sancionou a Lei Complementar 160/2017 (Projeto de Lei do Senado nº 130/2014) que põe fim justamente à exigência de aprovação unânime dos Estados no CONFAZ, para a concessão de benefícios fiscais, sendo necessário o apoio de apenas dois terços dos Estados, na reunião do Conselho, ou de um terço dos representantes de cada uma das cinco regiões do país.
A Lei também estabelece que os benefícios que já existem, mesmo tendo sido concedidos sem à observância dos requisitos de aprovação, à época, sejam reconhecidos e prorrogados por um prazo determinado para cada setor, o que fez com que alguns estados do Nordeste respirassem aliviados, tendo em vista que temiam o cancelamento dos benefícios concedidos às empresas do setor de agropecuária e infraestrutura, que agora, perdurarão pelos próximos quinze anos.
Dessa forma, vemos que o imposto que, em razão de sua complexidade e seu alcance nacional, somadas ao desequilíbrio financeiro entre as diversas regiões e Estados do país acumula mais uma polêmica, e permanece sendo o principal alvo das leis que engatinham rumo à uma possível reforma tributária.
Equipe Tributária do Molina Advogados