490 segundos
O ano era 2008 e o cenário era de crise. Pequenos empreendedores e empresas em fase inicial de desenvolvimento sofriam com a ausência de fontes de investimento. Uma das soluções encontradas foi a utilização em massa do crowdfunding, popularmente conhecido como “financiamento coletivo”.
Dez anos após seu boom de popularidade, este meio de agregação de interesses ainda está carente de regulamentação no Brasil. De todo modo, tem ganhado cada vez mais notoriedade, principalmente entre entusiastas do tema que se questionam sobre questões tributárias: afinal, como este tipo de financiamento é tributado?
Contexto
Em síntese, o Crowdfunding é uma ferramenta digital consistente na arrecadação de dinheiro, para promover algum projeto ou pequeno negócio. Para levantar o dinheiro, o interessado utiliza alguma plataforma online para divulgar seu projeto e pedir as doações. Se no final do projeto não for atingida a meta do empreendimento, os valores são devolvidos aos “financiadores”.
Vale dizer que a implementação de grandes empreendimentos por meio de financiamento coletivo não chega a representar uma inovação. Há registros, por exemplo, de que a montagem da Estátua da Liberdade, ainda no ano de 1885, somente foi viabilizada por meio de uma campanha de captação de recursos junto à população. Da mesma forma, o Cristo Redentor é um exemplo nacional.
Foi, contudo, com o advento da internet que os financiamentos coletivos se popularizaram, principalmente no contexto de crise econômica após 2008. Isto porque, com a dificuldade em acesso à crédito bancário para negócios iniciantes, o crowdfunding passou a representar uma maneira alternativa de pequenas empresas conseguirem investimento para sobreviver ao mercado.
Modalidades
Antes de abordar a tributação, importante dizer que, atualmente, existem diversos tipos de crowdfunding. Elencamos a seguir, os principais:
Tipo | Finalidade |
Crowdfunding filantrópico | Doações por questões altruístas e socialmente relevantes, na qual o financiador não espera qualquer retorno. |
Crowdfunding de produtos | Os financiadores investem seu dinheiro esperando por um retorno, não pecuniário, mas em forma de produtos ou serviços, como no caso da pré-venda. Note que nestes casos, há uma prestação de serviço ou disponibilização de mercadoria do financiado ao financiador |
Financial Return Crowdfunding | Com retorno financeiro, se subdivide em peer-to-peer lending (empréstimo aos pares, P2P) e o equity crowdfunding (ações de participação). O primeiro diz respeito aos empréstimos que são pagos de volta com juros. Já o equity crowdfunding, regulado pelo ICVM n° 588, é um método de financiamento pelo qual um empreendedor vende ações da empresa à um grupo de (pequenas) investidores através de uma chamada aberta de investimento nas plataformas da Internet. |
Tratamento tributário
Em decorrência do destaque que tem ganhado e o volume de dinheiro que tem movimentado, o financiamento coletivo não poderia escapar de alguma forma de tributação. Sem uma legislação específica e detalhada[i], a discussão sobre a tributação incidente sobre o crowdfunding pode parecer um desafio – que aceitamos.
Para entender a questão tributária, é importante ter em mente que nos financiamentos coletivos, são três as figuras que aparecem: i) as empresas de crowdfundings; ii) o financiador (que “doa”); e iii) o financiado (que recebe o dinheiro arrecadado).
Qual o tratamento tributário dispendido para cada uma? Vejamos abaixo, de forma objetiva:
i) Empresa de fundings: Interessante esclarecer que este tipo de empresa é estabelecimento virtual que pode ser configurado como as tradicionais sociedades empresárias: microempresa, empresa limitada e sociedades anônimas, sendo necessário seu registro frente ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Sua atividade empresarial se assemelha muito à definição legal de instituição financeira[ii] (Lei 7.492/86). Entretanto, na prática, seu modelo de negócio permite que se auto defina como prestadora de serviços de intermediação de negócios, ou de informação e hospedagem na internet.
Desta forma, está sujeita ao Imposto sobre Serviços (ISS) incidente sobre serviços de intermediação. Ou seja, é necessária a emissão de NF de prestação de serviços ao financiado (aquele que utiliza a plataforma para levantar o dinheiro). Vale mencionar que é importante também, para fins de controle, que exista algum comprovante da transferência de valores entre ela e os financiadores.
Além disso, este tipo de empresa está sujeito ao recolhimento do Imposto sobre a Renda (IR). A base de cálculo deste imposto será a receita advinda das taxas cobradas pelas plataformas (que variam de 5 a 17,5% sobre o valor arrecadado). Neste sentido, importante que a empresa se estruture de modo a comprovar que os valores arrecadados não permanecem em seu caixa, evitando, assim, tributação equivocada.
A modalidade de tributação poderá se dar, segundo cada caso, pelo Simples Nacional, pelo Lucro Real ou Lucro Presumido. Ainda há resistência em optar-se pelo Lucro Real, mas este tipo de apuração pode ser vantajoso, já que permite maior detalhamento das operações financeiras (que são complexas neste tipo de negócio), resguardando as empresas em situações de fiscalização.
Ademais, deve recolher a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), PIS e COFINS, cuja base de cálculo e alíquota está vinculada à sistemática escolhida para recolhimento do Imposto de Renda.
Vale relembrar: este tipo de empresa não está obrigado pela legislação nacional ao recolhimento do IOF, uma vez que não se configuram como instituições financeiras, conforme supramencionado.
ii) Financiador (“doador”/“investidor”): Sujeito ao IOF no caso de ser pessoa jurídica[iii]. Sendo pessoa física, não paga IOF, independentemente da modalidade de crowdfunding e, ainda, caso o valor doado seja relevante, pode optar por aproveitar esse valor para deduzir de sua declaração de imposto de renda. No caso da modalidade de Financial Return Crowdfunding (veja definição do quaro acima), há incidência de Imposto de Renda, pelo fato do investidor receber de volta o dinheiro investido com juros.
iii) Financiado (“investido”/ “donatário”/“criador do projeto”): Caso seja pessoa jurídica, ficará sujeita ao desconto do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). Se pessoa física, deverá informar no IR o total e ser tributado pela tabela progressiva do imposto de renda, que pode chegar a 27,5% do total do valor doado pelos financiadores.
Ainda neste caso, será possível a incidência de ICMS, caso se verifique a habitualidade mercantil na circulação de mercadorias em troca das doações. Ademais, incide o ISS no caso de prestação de serviço que é oferecido em contrapartida ao investimento.
Vale mencionar que, tratando-se de “doação”, seria possível concluir-se, em tese, pela incidência do Imposto sobre doação (ITCMD), devido pelo donatário. No entanto, prevê o art. 155, §1º, II da Constituição Federal que o estado competente para cobrança do imposto é o de localização do doador. Assim, em razão da multiplicidade de colaboradores, dos mais diferentes estados, a tributação pelo ITCMD pode se tornar bastante confusa e operacionalmente dificultosa.
Além disso, sabe-se que, normalmente, os Estados preveem a isenção deste imposto para as doações que não ultrapassem determinados valores. Assim, considerando que doações deste tipo de financiamento são, em geral, de pequeno valor, seria possível afirmar, em princípio, que a maioria das operações seria isenta do imposto.
Logo, para que restem superadas as dificuldades relativas ao ITCMD, mostra-se imprescindível a criação de lei complementar para regular a matéria, sendo certo que, enquanto tal providência permanece pendente, se mostra praticamente inviável a tributação do crowdfunding pelo ITCMD.
Atenção às eventuais alterações e operacionalização do negócio
Diante de todo o cenário aqui abordado, o que se observa é que a carência de regulamentação específica sobre o assunto não é motivo para que os envolvidos em crowdfunding não sejam devidamente tributados, restando aos interessados no negócio se atentarem às regras específicas e às possíveis atualizações legais que certamente impactarão na operacionalização do negócio.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[i] Atualmente, existe apenas o projeto de Lei 6.590, de 2013.
[ii] Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I – a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; II – a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.
[iii]Lei 9.779 de 1999, art. 13: As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras. § 1º Considera-se ocorrido o fato gerador do IOF, na hipótese deste artigo, na data da concessão do crédito. § 2º Responsável pela cobrança e recolhimento do IOF de que trata este artigo é a pessoa jurídica que conceder o crédito. § 3º O imposto cobrado na hipótese deste artigo deverá ser recolhido até o terceiro dia útil da semana subseqüente à da ocorrência do fato gerador.