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A história por detrás do vesting
Nos Estados Unidos, o vesting surgiu como uma forma de alinhar os interesses das empresas com os seus funcionários chave, os altos executivos. O vesting consiste em oferecer um direito a esses funcionários, os quais passam a ser investidos em um direito de adquirir participação societária na empresa. Ou seja, esses funcionários possuem o direito de adquirir ações ou quotas da empresa. Ao adquirir ações ou quotas o funcionário torna-se sócio da empresa, ainda que na qualidade de minoritário.
O mecanismo mencionado acima é uma forma de resolver o que se convencionou chamar de “conflito de agência”. Define-se por conflito de agência o confronto dos interesses dos acionistas de uma empresa com os de seus gestores. Muitas vezes os acionistas têm um objetivo que não necessariamente coincide com o objetivo dos gestores contratados para administrar a empresa, o que caracteriza o mencionado conflito de agência e resulta em um “custo de agência”. O custo de agência, por sua vez, é definido como o custo decorrente do conflito de interesses mencionado acima.
Em resumo, nesse cenário, o vesting seria apto a alinhar os interesses dos principais funcionários da empresa com os dos acionistas/quotistas, uma vez que os funcionários se tornam acionistas/quotistas por meio desse mecanismo.
Como muitos modelos jurídicos e empresariais brasileiros foram herdados e/ou copiados de modelos existentes no exterior, não seria diferente na hipótese do vesting. Muitas startups no Brasil passaram a ver o vesting como uma alternativa para estimular um eventual parceiro a entrar no risco do negócio, trabalhar sem cobrar por seus serviços e contribuir com o crescimento da startup. Isso se deve à lógica de bootstrapping (minimização de custos) que a maior parte das startups adota.
A estrutura do vesting
O vesting mais comum de ser oferecido no mercado é aquele que possui um cliff de 1 ano, e 4 anos de vesting da participação societária pelo funcionário. Cliff é o período em que o funcionário deve permanecer na empresa, porém não recebe participação societária e não pode exercer qualquer exercício de compra dessa participação. Trata-se de um período teste do funcionário. No exemplo acima, isso significa que o funcionário deve permanecer na startup por um período mínimo de 1 ano (cliff), momento a partir do qual começa a receber o direito de aquisição da participação societária durante o prazo de 4 anos. Para exercer a compra da participação societária geralmente é oferecido ao funcionário um desconto nos valores.
Quanto à operacionalização do vesting, ele pode ser operacionalizado de duas maneiras básicas: (i) por milestones (objetivos e metas); ou (ii) prazo.
A primeira opção cria metas que, caso atingidas, resultam no direito de “vestir” a participação societária. Por isso, neste caso, devem ser definidas metas claras e objetivas para a pessoa que recebe o direito. Nesta hipótese, não adianta utilizar o vesting para funções que não permitem a definição de metas claras e objetivas, pois será difícil definir o momento em que o parceiro terá efetivamente o direito de investir-se nas ações ou quotas da empresa. É o caso, por exemplo, de um advogado. Como definir metas para um advogado? Estabelecer um número de contratos elaborados? Os contratos dependem de uma negociação comercial para serem gerados e, por isso, não depende dele a criação de contratos, de forma que um advogado dificilmente aceitaria uma meta baseada nesse critério. Outro ponto crucial é dividir o pacote de ações ou quotas a serem oferecidas em parcelas que podem ser conquistadas conforme as metas são atingidas. Ou seja, quando atingida a primeira meta o parceiro terá direito à 25% das ações ou quotas do pacote. Atingida a segunda meta, terá direito a mais 25%, e daí em diante. É necessário sempre ter em mente que a proposta deverá ser atrativa para o parceiro, caso contrário ele sequer aceitará a proposta.
A segunda opção, por sua vez, oferece ao funcionário o direito de “vestir” a participação societária conforme o tempo em que este permanece na startup. Assim, diferentemente da primeira opção que é focada nos resultados, a segunda opção visa reter o funcionário. Por esta razão, vestings deste tipo geralmente são distribuídos aos funcionários pelo período de 4 anos. Assim, caso fique até o final dos 4 anos, o funcionário terá direito a toda a participação que lhe foi oferecida. Caso contrário, terá direito a participação proporcional ao tempo em que permaneceu na startup.
Cláusulas específicas do vesting
Além das cláusulas destinadas a regular o cliff, milestones ou prazos, outras cláusulas também são bastante comuns neste tipo de contrato.
Geralmente estes contratos possuem uma cláusula de aceleração, por meio da qual se define que, ocorrido algum evento específico, os funcionários devem vestir toda a participação societária que a eles foi concedida. É o caso, por exemplo, de uma venda da startup a terceiros, fusão ou aquisição.
Outra cláusula importante é o que se denomina de good leaver e bad leaver. Este tipo de cláusula visa beneficiar aquele funcionário que sai da startup com um bom relacionamento e, por outro lado, não dar benefícios àquele funcionário que infringiu algumas das regras estipuladas entre as partes. Assim, caso o funcionário que se retira da startup tenha cumprido com todas as regras definidas entre as partes, este será um good leaver e terá o preço da sua participação societária avaliado a valor de mercado no momento em que receber os valores de sua participação. Por outro lado, o bad leaver, por não ter respeitado cláusulas de não-competição ou por ter sido despedido por justa causa (hipóteses em que o funcionário será considerado um bad leaver), terá sua participação societária avaliada a preço contábil, ou seja, o mesmo valor que pagou por ela. Portanto, quando for vender sua participação societária, somente recuperará o valor que pagou por ela.
Esta definição de bad leaver e good leaver é importante já que é um padrão que a própria startup recompre a participação societária oferecida por meio de vesting aos seus funcionários, desde que ocorrido algum dos eventos que motive essa compra da participação societária dos funcionários pela startup. Assim, existe uma condição que, quando cumprida, ativa um direito (trigger ou gatilho) dos funcionários. Esses gatilhos geralmente são entendidos como os “eventos de liquidez”: situações que resultam na entrada de valores na startup. Assim, são exemplos de eventos de liquidez a abertura de capital da startup na bolsa de valores, um investimento feito por um investidor, a fusão ou aquisição da startup, dentre outros eventos que possam ser definidos no contrato.
O contrato utilizado para vesting
O vesting geralmente é operacionalizado por meio de um contrato de opção de compra de participação societária. Referido contrato deve prever a possibilidade de compra de ações ou quotas quando ocorre um gatilho, conforme mencionado anteriormente. Assim, basta que o interessado estipule uma condição condizente com o objetivo de sua startup para conseguir alinhar seus interesses com os do funcionário. Pode ser um milestone ou um prazo, conforme a opção de gatilho que for adotada. O mesmo ocorre com a definição dos eventos de liquidez que vão resultar na recompra da participação que foi oferecida aos funcionários.
No contrato de opção de compra é importante definir o preço a ser pago pelo adquirente das ações ou quotas, que pode ser livremente combinado entre as partes interessadas – lembrando que é comum que seja oferecido um desconto no valor da participação, caso o valor da participação societária seja muito alto.
Além disso, é imprescindível lembrar o óbvio: trata-se de uma opção, não significa que o funcionário efetivamente a exercerá. Dessa forma, é importante definir um prazo para que essa opção de compra de ações ou quotas seja exercida após cumprida a condição para seu exercício. Esse prazo é importante para evitar que o funcionário não compre as ações e mesmo assim detenha tal direito para sempre, pois nunca se sabe como será o amanhã.
Por fim, é importante manter em mente a proporção máxima de participação societária que será oferecida aos funcionários, uma vez que isso pode impactar na entrada de futuros investidores na startup. Ao mesmo tempo em que se deseja incentivar os funcionários, não se quer travar a startup a ponto de não possuir participação societária suficiente para o recebimento de investimentos ou que resulte em grande diluição da participação oferecida aos funcionários caso a startup tenha que emitir novas quotas ou ações para a entrada desses investidores.
Equipe Molina Advogados