254 segundos
É isso mesmo que você leu! Parece mentira, mas mesmo com a publicação da Lei nº 13.988/2020 que dispõe sobre o fim do famoso voto de qualidade, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) ainda se utiliza desse mecanismo para resolver o empate em julgamentos de processos administrativos federais.
Esta matéria já foi objeto de alguns artigos nossos (clique aqui para ler), mas hoje vamos detalhar em quais situações e os motivos pelos quais esse procedimento tão controvertido vem sendo aplicado pelo Colegiado.
- Julgamentos afetados com o uso do voto de qualidade pelo CARF
Acórdão publicado recentemente no site do CARF demonstra que, mais uma vez, em total desrespeito ao princípio do “in dubio pro contribuinte” previsto no Código Tributário Nacional[1], o voto de qualidade foi proferido durante o julgamento do processo nº 13906.000078/2007-57[2], ocorrido em 07/05/2020, ou seja, após a alteração trazida pela Lei nº 13.988/2020.
O caso envolvia o indeferimento de pedido de inclusão no Simples Nacional realizado por pessoa jurídica sócia de outra sociedade empresária. A primeira solicitou seu enquadramento no regime tributário simplificado, mas teve o pedido recusado pela Receita Federal por participar do capital social de outra empresa.
Diante disso, apresentou sua manifestação de inconformidade, a qual foi julgada improcedente, motivando a interposição de Recurso Voluntário.
Após empate no julgamento, o presidente da Segunda Turma Extraordinária da Primeira Seção e representante do fisco proferiu o voto de desempate, negando provimento ao recurso.
Num segundo caso, a decisão exarada em 02/06/2020 no processo nº 10980.002921/2008-30[3] também foi pautada no voto de qualidade. Trata-se de contribuinte excluído do regime do Simples Nacional em razão de ter auferido receitas advindas da locação de mão obra e serviços de implantação de reserva legal.
Após o recebimento do ato declaratório executivo que determinou a sua exclusão, a empresa apresentou defesa, que também restou improcedente e, posteriormente, Recurso Voluntário. Este último foi conhecido, mas com o emprego do voto de qualidade, o Conselheiro Presidente da Primeira Turma Extraordinária da Primeira Seção negou provimento quanto ao mérito.
Além disso, pelo menos outros cinco julgamentos ocorridos em 14 de maio deste ano[4] foram afetados com a adoção dessa prática já extinta pela lei federal. Esses últimos casos envolveram pedidos de compensação de um mesmo contribuinte e em todos eles as decisões foram desfavoráveis para a empresa.
- Por que este método ainda é utilizado?
Conforme mencionamos em artigo publicado anteriormente, já havia o receio da extinção do voto de minerva não ser aplicada em determinados casos.
Isso porque, de acordo com a lei recentemente alterada, o voto de qualidade deve ser afastado nos julgamentos de processos administrativos de “determinação e exigência do crédito tributário.”
Assim, com relação as demandas referentes ao Simples Nacional, considerando que as discussões não envolveram efetivamente a cobrança de um débito oriundo da relação obrigacional tributária, mas, sim, a inclusão ou manutenção no regime de tributação diferenciado, diante do empate e com base na interpretação literal da legislação, o órgão administrativo optou pela prevalência do voto de qualidade.
Ainda, no que tange aos processos de compensação, também já era de se esperar que a corte administrativa dispensaria a determinação prevista no embasamento legal e aplicaria o voto de qualidade. Entendemos que isso aconteceu porque neste tipo de processo o tema central é a liquidez e certeza do direito creditório e não a exigência de um débito.
- Considerações Finais
Em que pese a redação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, alterado pela Lei nº 13.988/2020, percebe-se que os conselheiros representantes do fisco, aproveitam-se dessa brecha na legislação para aplicar o voto de minerva em caso de empate e tomar, na grande maioria das vezes, decisões que favorecem a Fazenda Nacional.
Infelizmente, acreditamos que nas demandas administrativas cujo objeto não envolva determinação e exigência de crédito tributário, esta sistemática ainda poderá ser recorrente, mesmo diante da alteração legislativa.
De todo modo, os contribuintes prejudicados poderão se socorrer ao Poder Judiciário, para tentar garantir uma interpretação mais ampla da legislação federal, especialmente do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002 e exigir que, em caso de empate, o julgamento seja concluído a seu favor.
[1] Artigo 112 do Código Tributário Nacional.
[2] Acórdão nº 1002-001.294, Relator Thiago Dayan da Luz Barros, julgado em 07/05/2020.
[3] Acórdão nº 1001-001.790, Relator André Severo Chaves, julgado em 02/06/2020.
[4] Processo nº 10840.904646/2012-71, acórdão nº 3002-001.289; processo nº 10840.904648/2012-61, acórdão nº 3002-001.290; processo nº 10840.904645/2012-27, acórdão nº 3002-001.291; processo nº 10840.904647/2012-16, acórdão nº 3002-001.292; processo nº 10840.904649/2012-13, acórdão nº 3002-001.293, todos relatados pela Conselheira Sabrina Coutinho Barbosa, no julgamento ocorrido em 14/05/2020.
Equipe Tributária do Molina Advogados