404 segundos
Em 2018 escrevemos sobre a residência fiscal e esclarecemos as hipóteses previstas na legislação brasileira que fazem do contribuinte residente no País ou no exterior para fins tributários. Caso você ainda não tenha visto, cliquei aqui para ler.
Contudo, recentemente, fomos surpreendidos com uma decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que, ao analisar um caso prático de brasileiro domiciliado em Portugal há mais de 10 (dez) anos, admitiu a dupla residência fiscal e exigiu o Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) sobre os rendimentos auferidos no país europeu. Leia o artigo que preparamos e fique por dentro da discussão travada no Colegiado.
Entenda o caso
O processo nº 16095.720100/2014-98[1] envolveu um brasileiro que, em 1993, deixou o país, pois foi contratado por empresa portuguesa, onde trabalhou até o ano de 2014.
Foi autuado pela Receita Federal do Brasil em razão de suposta omissão de rendimentos recebidos em 2010, de pessoa jurídica brasileira, por conta e ordem da sociedade empresária estrangeira, com quem mantinha vínculo empregatício.
Importante pontuar que, mesmo morando em Portugal, conforme demonstra o acórdão, ele vinha apresentando para o Fisco Federal sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF), atestando sua condição de residente neste País, segundo a fiscalização.
Em sua defesa, o contribuinte argumentou, sobretudo, que (i) à época dos fatos geradores residia no país estrangeiro; (ii) deveria ter sido observado o acordo celebrado entre o Brasil e Portugal para evitar a dupla tributação; e (iii) a apresentação da DIRPF ocorreu por um equívoco, já que possuía imóveis no território brasileiro e, por isso, acreditava estar obrigado ao cumprimento da referida obrigação acessória.
Além disso, a fim de comprovar sua condição de residente no país lusitano, instruiu o processo com diversos documentos, comopor exemplo, cartão de cidadão de Portugal, fatura referente ao consumo de energia elétrica do endereço residencial, cartão de condução, faturas relativas aos serviços de telefonia e etc.
Ainda assim, a impugnação foi julgada improcedente, mantendo o crédito tributário exigido.
Ao avaliar o Recurso Voluntário interposto pelo autuado, o Relator do caso e responsável pelo voto vencido, acertadamente, posicionou-se pelo seu provimento por entender que, para todos os efeitos legais e fiscais, o contribuinte residia em Portugal no exercício de 2010, motivo pelo qual estava submetido às leis da nação estrangeira, não cabendo qualquer exigência por parte da autoridade brasileira.
E o voto vencedor?
Foi o voto vencedor, contudo, que nos chamou atenção. De acordo com o Conselheiro Mauricio Vital, a pessoa física contribuinte nacional apenas perde a condição de residente no Brasil se, cumulativamente: (i) retira-se do território brasileiro; e (ii) apresenta a Comunicação e Declaração de Saída Definitiva do País no prazo estabelecido em lei, o que não foi feito no caso em análise.
Muito embora haja na legislação federal disposição expressa acerca da obrigatoriedade de entrega da Comunicação e Declaração de Saída Definitiva para as pessoas físicas que deixam o Brasil, seja em caráter temporário ou permanente[2], diante da interpretação da Instrução Normativa (IN) SRF nº 208/2002, não nos parece que essas regras sejam requisitos para manutenção da residência fiscal no País.
Ao contrário, para que o contribuinte possa afirmar ser residente no Brasil ou no exterior, é necessário avaliar as hipóteses previstas nos artigos 2º e 3º do ato normativo supracitado.
Caso seja enquadrado em uma das situações descritas no artigo 2º, o contribuinte será considerado residente e recolherá aqui os tributos devidos sobre todos os seus rendimentos, inclusive aqueles recebidos fora do País. Por outro lado, havendo o enquadramento nas opções do artigo 3º, restará caracterizada a não residência no território nacional, sendo a pessoa física tributada no exterior, com exceção da renda obtida de fonte brasileira.
Além disso, é importante se atentar à existência de acordos que evitam a bitributação e definem o conceito de residência fiscal. Nestes casos, o tratado internacional se sobrepõe à Instrução Normativa.
Utilização incorreta da Instrução Normativa SRF nº 208/2002
O Conselheiro designado para redigir o voto vencedor esclareceu, ainda, que mesmo morando em outro país, o contribuinte continuou a apresentar Declarações de Ajuste Anual, comprovando seu interesse e a sua intenção de manter o vínculo fiscal no Brasil. Assim, com base no artigo 2º, inciso V da Instrução Normativa considerou-o como residente para os efeitos fiscais.
Este embasamento legal utilizado pelo CARF para manter a exigência do IPRF foi outro ponto do acórdão que causou estranheza.
De acordo com o inciso V do artigo 2º da norma, a pessoa física será considerada residente no Brasil durante os primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência, quando deixar o País em caráter temporário ou permanente, sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva.
No caso em questão, tendo em vista que o contribuinte saiu do Brasil em 1993, sem prejuízo da análise do acordo celebrado entre os dois países para evitar a bitributação, somente no primeiro ano após a data da partida é que poderia ser mantida a residência no País e exigido o tributo. Como a autuação se refere ao ano calendário de 2010, ao nosso ver, não seria correto utilizar este dispositivo para justificar a cobrança.
A própria Receita Federal já se posicionou nesse sentido, como se depreende da Solução de Consulta-Cosit nº 19 de 04 de novembro de 2013, demonstrando que do décimo terceiro mês após a sua ausência no Brasil, a pessoa física será considerada não residente.
Convenção celebrada entre Brasil e Portugal – Decreto nº 4.012/2001
No que tange a análise da convenção firmada entre Brasil e Portugal, o Tribunal Administrativo admitiu a dupla residência fiscal e esclareceu que o autuado possuía vários imóveis no território brasileiro e auferiu aqui rendimentos oriundos de atividade rural desempenhada em algumas fazendas de sua propriedade.
Com isso, concluiu que neste país estão os seus interesses vitais, devendo ser aplicado o artigo 4º, item 2, “a” do Decreto 4.012/2001, segundo o qual a residência é definida pelo local onde o contribuinte tenha relações pessoais e econômicas mais estreitas.
Trata-se, portanto, de um critério subjetivo adotado pelo legislador e que, por vezes, acaba prejudicando a análise do caso concreto.
Considerações finais
Existem diversas situações de contribuintes que deixam o Brasil sem realizar os procedimentos de saída previstos na legislação; permanecem no exterior por prazo superior a um ano; continuam entregando normalmente as suas declarações de imposto de renda como se residentes aqui fossem e, sem se enquadrarem nas hipóteses previstas no artigo 2º da Instrução Normativa SRF nº 208/2002, pretendem manter no País sua residência fiscal.
O que se percebe da leitura do acórdão em questão, e apesar de considerarmos esta conduta incorreta, é que para o Tribunal Administrativo não há prejuízos para a União a pessoa física optar pelo pagamento do imposto federal no Brasil, estando ausente por mais de doze meses.
Aliás, caso seja enviada a DIRPF, mas não sejam incluídos na base de cálculo do IRPF todos os rendimentos recebidos pelo contribuinte, até mesmo aqueles obtidos de fontes externas, o Fisco poderá exigir o recolhimento do tributo, como fez recentemente, sobretudo com base no princípio da universalidade, observada eventual regra de compensação prevista nos acordos de bitributação.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[1] CARF – Acórdão nº 2301-007.136, Relator Cleber Ferreira Nunes Leite, julgado em 04/03/2020.
[2] Artigo 11-A caput, incisos I, II e parágrafo 1º da Instrução Normativa SRF nº 208/2002.