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Em virtude da pandemia da Covid-19 e das determinações de isolamento social emitidas pelas autoridades públicas, incluindo o fechamento de estabelecimentos e restrição de transporte de passageiros, a realização de diversos eventos e reservas do setor de turismo e cultura ficou prejudicada.
Diversos shows, espetáculos e festivais foram cancelados, a exemplo do festival musical “Lollapalooza” que ocorreria em abril deste ano. Ademais, serviços e reservas relacionadas aos setores de turismo, tais como hotéis e passagens aéreas, também foram cancelados.
Ambos os setores, turismo e cultura, foram altamente impactados e, até a presente data, não há uma previsão de volta regular dos setores, havendo diversas restrições que, na maioria das vezes, impossibilita a realização dos eventos.
Visando mitigar os danos suportados pelo setor em comento, em abril deste ano foi publicada a Medida Provisória nº 948 (“MP 948”), a qual foi convertida na Lei nº 14.046, de 24 de agosto de 2020 (“Lei 14.046/2020”), publicada no dia 25 deste mês. Referida lei dispõe sobre as regras para adiamento e cancelamento de reservas e eventos dos setores de turismo e cultura em razão da pandemia da Covid-19.
Quais os incentivos previstos na Lei 14.046/2020 para fornecedores do setor de turismo e cultura?
Para as reservas e eventos que ocorreriam no período do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020 (“Decreto Legislativo 6/2020”)[1], os quais teriam que ser adiados ou cancelados, a Lei 14.046/2020 estabelece que os fornecedores não são obrigados a devolver os valores pagos pelo consumidor, desde que (i) garantam a possibilidade de remarcação dos serviços, reservas e eventos; ou (ii) disponibilizem o valor pago como crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos.
As operações de remarcação e crédito/abatimento acima mencionadas, deverão ser realizadas sem custo adicional, taxa ou multa para o consumidor, em qualquer data a partir de 1º de janeiro de 2020, desde que o consumidor solicite a operação no prazo de (i) 120 (cento e vinte) dias contados do adiamento ou cancelamento dos serviços ou (ii) 30 (trinta) dias antes da realização do evento, o que ocorrer antes.
Caso o consumidor opte pela remarcação, o fornecedor deverá respeitar os valores e condições dos serviços originalmente contratados e o prazo de 18 (dezoito) meses para remarcação, contados do encerramento do estado de calamidade pública.
Optando pelo crédito, o consumidor poderá utilizá-lo no prazo de até 12 (doze) meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública. Nesta hipótese, poderá ser deduzido do valor já pago pelo consumidor valores referentes a eventuais serviços de agenciamento e intermediação já prestados, tais como taxas de conveniência e/ou entrega.
Não havendo possibilidade de remarcação do evento ou reserva, tampouco de concessão de crédito ao consumidor, o fornecedor deverá restituir o valor recebido no prazo de 12 (doze) meses contados da data de encerramento do estado de calamidade pública, podendo ser deduzidos valores de eventuais serviços de agenciamento e intermediação já prestados.
A Lei é aplicável a todos os eventos, reservas e serviços que iriam ocorrer durante o período de calamidade pública e tiveram que ser adiados, bem como aos que já foram adiados e tiverem que ser adiados novamente e aos novos eventos lançados no decorrer de referido período de calamidade pública.
A quem a lei se aplica?
A Lei 14.406/2020 é aplicável a fornecedores do setor de turismo e cultura, a exemplo de hotéis, agências de turismo, cinemas, teatros, plataformas de vendas de ingressos, dentre outros. As regras para adiamento e disponibilização de crédito são aplicáveis, ainda, para os produtores culturais ou artistas que tiverem que devolver valores para algum prestador de serviços ou sociedade empresária.
Assim, a Lei em comento não é aplicável a eventos não relacionados a turismo ou cultura, tal como a realização de eventos particulares, a exemplo de casamentos e formaturas. Nestes casos, será aplicável as normas previstas no Código Civil Brasileiro de forma que, uma vez configurado o caso fortuito (por exemplo, não realização do evento decorrente da pandemia da Covid-19), as partes devem retornar ao estado anterior à contratação, sem cobrança de multa ou reparação de danos, com devolução dos valores já pagos pelo consumidor, podendo ser retidos pelo fornecedor eventuais valores referentes a serviços já prestados. Destacamos que, nestes casos, a ocorrência do caso fortuito que justifique a rescisão contratual dependerá da análise do caso concreto.
Quais os impactos para os artistas, palestrantes e outros profissionais?
Nos termos da Lei 14.046/2020, artistas, palestrantes, outros profissionais detentores de conteúdo e demais profissionais contratados para eventos (incluindo shows, rodeios, espetáculos musicais e de artes cênicas) que foram adiados ou cancelados em virtude da pandemia da Covid-19, só terão que reembolsar os valores recebidos caso o evento não seja remarcado no prazo de 12 (doze) meses, contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Caso os serviços contratos não sejam realizados no prazo acima mencionado, o profissional deverá devolver os valores recebidos, devidamente corrigido pelo índice IPCA-E, no prazo de 12 (doze) meses contados da data de encerramento do estado de calamidade pública.
Nestes casos, serão anuladas as multas por cancelamento de contratos, enquanto perdurar o estado de calamidade pública.
Caracterização como caso fortuito e força maior:
Os cancelamentos e adiamentos de contratos regidos pela Lei 14.046/2020 caracterizam hipótese de caso fortuito ou força maior e, em regra, não geram o pagamento de indenizações por danos morais, aplicação de multas previstas em contratos ou aplicação de penalidades previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor[2].
Considerações finais:
A Lei 14.046/2020 tem por objetivo a proteção do setor de turismo e cultural, que foram prejudicados com a pandemia da Covid-19 e determinações de isolamento social. Ao mesmo tempo, a lei tenta proteger o consumidor, ao estabelecer alternativas para remarcação dos serviços, reservas e eventos, bem como a concessão de crédito para aquisição de outros serviços.
Ressaltamos que a lei é aplicável apenas para os fornecedores do setor de turismo e cultura. Para eventos particulares ou que não tenham cunho cultural, por exemplo, os fornecedores não podem se beneficiar da lei em comento.
[1] O Decreto Legislativo 6/2020 reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública de 18 de março de 2020 a 31 de dezembro de 2020.
[2] Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I – multa;
II – apreensão do produto;
III – inutilização do produto;
IV – cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V – proibição de fabricação do produto;
VI – suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII – suspensão temporária de atividade;
VIII – revogação de concessão ou permissão de uso;
IX – cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X – interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI – intervenção administrativa;
XII – imposição de contrapropaganda.
Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.
Equipe de Consultoria do Molina Advogados