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Recentemente, escrevemos um artigo sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.049.811 (Tema 1024 da Repercussão Geral), por meio do qual o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a inclusão da Taxa de Administração de Cartões na base de cálculo do PIS e da COFINS devidos pelos estabelecimentos comercializadores e prestadores de serviços.
O entendimento do Tribunal foi totalmente desfavorável para as empresas que utilizam cartões de crédito e débito em seus estabelecimentos, mas a boa notícia é que, segundo julgado recente da Décima Quarta Vara Cível Federal de São Paulo[1], os valores retidos pelas administradoras de cartões poderão ser objeto de creditamento para fins de apuração das referidas contribuições.
Entenda os detalhes desta importante decisão que poderá minimizar os efeitos do posicionamento da Suprema Corte.
Caso prático
Trata-se de mandado de segurança impetrado por empresa do setor varejista e atacadista, que pretendia ver reconhecido o seu direito de (i) aproveitamento dos créditos de PIS e COFINS oriundos das despesas com as taxas de administração de cartões, bem como (ii) de restituição/compensação do montante recolhido a maior nos últimos cinco anos.
Num primeiro momento, a juíza federal Tatiana Pattaro Pereira denegou a segurança e julgou improcedente a ação por entender que a discussão envolvida na demanda era a mesma travada no Recurso Extraordinário nº 1.049.811, isto é, a abrangência da base de cálculo do PIS e da COFINS e a incidência das contribuições sobre a referida taxa.
Com isso, a empresa opôs embargos de declaração que foram acolhidos pela magistrada, revertendo a decisão proferida inicialmente e acatando os pedidos feitos na petição inicial.
Segundo ela, levando em consideração o segmento da empresa, as despesas com taxas de cartão devem ser consideradas insumos, pois são essenciais ou, pelo menos, relevantes para viabilização do seu negócio.
A decisão de primeira instância foi muito coerente e, em seu voto, a juíza citou, ainda, o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do Recurso Especial nº 1.221.170/PR[2], submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
Conceito de insumo e o entendimento pacificado do STJ
É importante lembrar que no precedente em questão o STJ definiu que “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.”
Portanto, como não restam dúvidas de que o uso dos cartões pelas empresas comerciantes e prestadoras de serviço é extremamente relevante para o desempenho de suas atividades e venda de seus produtos, logo, em observância ao princípio da não-cumulatividade, é legítimo o aproveitamento de créditos decorrentes dos valores despendidos com a taxa de administração dos cartões.
Qual o entendimento majoritário da jurisprudência sobre a possibilidade de aproveitamento desses créditos?
O Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3) costuma proferir decisões contrárias ao creditamento dos valores retidos pelas administradoras de cartões[3].Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça, nas poucas vezes em que analisou o mérito da questão, posicionou-se, majoritariamente, de forma desfavorável aos contribuintes.
Como exemplo, podemos citar o Agravo em Recurso Especial nº 1.526.497, julgado em 09 de setembro de 2019. No caso em questão, o Ministro Relator Mauro Campbell Marques explicou que os contratos celebrados com as administradoras de cartão de crédito apenas viabilizam e facilitam o pagamento pelo consumidor final.
Mas não há, segundo o Relator, nessa mera facilitação de pagamento, essencialidade e relevância no processo produtivo ou na prestação de serviços pela empresa. Por este motivo, tais despesas não estariam enquadradas no conceito de insumo.
Não obstante, vale pontuar que existem muitos julgados do STJ sobre o tema ainda não concluídos, a exemplo do Recurso Especial nº 1.642.014, pois o Tribunal aguardava eventual posicionamento do STF sobre a possibilidade de aproveitamento dos créditos no Recurso Extraordinário nº 1.049.811.
Como a Corte Suprema não se manifestou nesse sentido, é provável que o Superior Tribunal de Justiça analise novamente o assunto, restando esperanças de que a jurisprudência atualmente adotada se modifique e o contribuinte saia vitorioso nessa disputa.
Considerações Finais
Muito embora o entendimento majoritário dos tribunais seja contrário aos interesses dos contribuintes, a decisão da Décima Quarta Vara Cível Federal de São Paulo representa “uma luz no fundo do túnel”.
Caso a jurisprudência atual venha a ser alterada, na prática, os contribuintes se beneficiarão com a redução da carga tributária, neutralizando os impactos financeiros resultantes da recente análise do Tema 1024 da Repercussão Geral pelo STF.
[1] Mandado de Segurança nº 5024180-42.2019.4.03.6100, 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, Juíza Relatora Tatiana Pattaro Pereira, julgado em 01/01/2020.
[2] Recurso Especial nº 1.221.170/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22/02/2018.
[3] Apelação Cível nº 5021176-31.2018.4.03.6100, Terceira Turma, Relator Desembargador Luis Carlos Hiroki Muta, julgado em 14/10/2020; Apelação Cível nº 5015023-79.2018.4.03.6100, Terceira Turma, Relator Desembargador Luis Carlos Hiroki Muta, julgado em 26/09/2020; Apelação Cível nº 5003331-49.2019.4.03.6100, Sexta Turma, Relator Desembargador Luis Antônio Johonsom Di Salvo, julgado em 10/08/2020.
Equipe Tributária do Molina Advogados
¹ Mandado de Segurança nº 5024180-42.2019.4.03.6100, 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, Juíza Relatora Tatiana Pattaro Pereira, julgado em 01/01/2020.
² Recurso Especial nº 1.221.170/PR, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 22/02/2018.
³ Apelação Cível nº 5021176-31.2018.4.03.6100, Terceira Turma, Relator Desembargador Luis Carlos Hiroki Muta, julgado em 14/10/2020; Apelação Cível nº 5015023-79.2018.4.03.6100, Terceira Turma, Relator Desembargador Luis Carlos Hiroki Muta, julgado em 26/09/2020; Apelação Cível nº 5003331-49.2019.4.03.6100, Sexta Turma, Relator Desembargador Luis Antônio Johonsom Di Salvo, julgado em 10/08/2020.