RESTITUIÇÃO DO ICMS NAS OPERAÇÕES DE TRANSFERÊNCIA E A APLICAÇÃO DO ARTIGO 166 DO CTN

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Já sabemos que nas operações de remessa de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica não há incidência do ICMS, haja vista a inexistência de transferência de propriedade e circulação econômica dos produtos. Contudo, o ponto que ainda pode gerar polêmica e envolver novas demandas judiciais é a aplicação equivocada do artigo 166 do CTN na restituição do ICMS indevidamente pago.

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Histórico da jurisprudência pacificada sobre a não incidência do ICMS nas operações de transferência

O entendimento sobre a não incidência do imposto estadual na mera transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa restou superado, inicialmente, com a Súmula 166[1], aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1996.

Posteriormente, em 2010, o mesmo Tribunal, durante o julgamento do Recurso Especial nº 1.125.133-SP[2] na sistemática dos recursos repetitivos (Tema 259) também afastou a exigência do tributo na transferência de bens do ativo imobilizado entre estabelecimentos do mesmo titular.

Mais recentemente, após a conclusão da análise do Tema 1099 da Repercussão Geral[3], o Supremo Tribunal Federal ratificou o posicionamento do STJ, mesmo nos casos de transferências interestaduais, firmando a seguinte tese: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência de titularidade ou a realização de ato de mercancia.

Inaplicabilidade do artigo 166 do CTN

Diante da farta jurisprudência e do entendimento pacificado sobre o assunto, não restam dúvidas de que os contribuintes que realizaram o pagamento indevido do ICMS incidente nessas operações, podem ser ressarcidos pelo erário estadual.

Porém, o grande problema que algumas empresas podem enfrentar ao pleitear a restituição, é a exigência, por parte dos estados, do cumprimento da regra estabelecida no artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN)[4].

Tal dispositivo, condiciona o ressarcimento de tributos indiretos (i) à comprovação de que a empresa interessada não repassou o ônus tributário para o adquirente das mercadorias ou, no caso de tê-lo repassado, (ii) à demonstração de que possui autorização desse último para reaver os valores recolhidos.

Não se pode esquecer, contudo, que o caso em análise envolve operações de transferência realizadas por uma mesma pessoa jurídica. Portanto, a regra do artigo 166 do CTN imposta como requisito para restituição do ICMS pago nessas situações, mostra-se incoerente, sobretudo, porque não há um terceiro no caso em questão.

Note que tal dispositivo somente poderia ser aplicado, na hipótese de haver alguma possibilidade de restituição do ICMS, na cadeia seguinte, quando o estabelecimento adquirente envolvido na operação de transferência efetuasse a venda para o consumidor final.

E a jurisprudência sobre o assunto?

Até o momento, não existem muitos julgados sobre o tema, mas o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou de forma favorável ao contribuinte.

Em 2018, quando do julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 581.679-RS, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria[5], o Tribunal afastou a aplicação do artigo 166 do CTN e permitiu o ressarcimento.

Segundo o Relator, o “ICMS exigido na específica operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa somente pode ser por esta suportado, visto que, nesse estágio da cadeia comercial, ela continua ostentando a titularidade física e jurídica da mercadoria, não havendo, ainda, a figura de terceira pessoa a quem possa ser transferido o encargo financeiro tributo. Essa possibilidade somente ocorrerá em operação posterior, quando da efetiva venda da mercadoria pelo estabelecimento para o qual ela (a mercadoria) tiver sido transferida.”

Felizmente, esse posicionamento ficou mantido numa nova oportunidade de análise da matéria pelo STJ. Trata-se do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1134366-RS[6], julgado em dezembro de 2020.

O Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho explicou em seu voto que “a operação de transferência de mercadoria não se confunde com a de comercialização e, por isso, não é possível concluir que a tributação exigida quando da transferência possa ter sido imediatamente repassada para terceiro, pois tal repasse pressupõe a ocorrência futura e, portanto, incerta da operação de compra e venda.”

Considerações Finais

A verdade é que a aplicação inadequada dessa regra prevista no CTN em relação às operações de transferência é mais uma das diversas tentativas encontradas pelo fisco estadual para impedir ou dificultar o incontestável direito de restituição das empresas.

Diante disso, é importante que os contribuintes fiquem atentos à esta eventual exigência dos estados como fator condicionante para a devolução do montante recolhido indevidamente e estejam cientes de que podem lograr êxito em eventual medida judicial, com base nos precedentes acima mencionados.

[1] Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

[2] Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1.125.133-SP, Ministro Relator Luiz Fux, julgado em 25/08/2010.

[3] Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.255.885/MS, Ministro Relator Dias Toffoli, julgado em 25/06/2020.

[4]  Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

[5] Agravo em Recurso Especial nº 581.679-RS, Relator Ministro Gurgel de Faria, julgado em 04/12/2018.

[6] Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1134366-RS[6], Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 15/12/2020.

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