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Diante do cenário de incertezas causado pela pandemia da Covid-19 e da possibilidade de elevação da alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), muitas famílias têm buscado o planejamento sucessório por meio da formalização de doações com reserva de usufruto.
Veja abaixo o resumo que preparamos sobre a tributação desta operação e o recente posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que afastou a incidência do ITCMD no momento da extinção do usufruto.
Entenda a Tributação na Doação com Usufruto
É preciso ter em conta que, em regra, sobre a doação haverá a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD). Trata-se de imposto estadual que, no caso do Estado de São Paulo, está previsto na Lei Estadual nº 10.705/2000 e suas alterações, bem como no Decreto nº 46.655/2002 (RITCMD).
Importante lembrar que o artigo 9º da Lei Estadual nº 10.705/2000 trata da base de cálculo do tributo, estabelecendo no § 2º que esta será equivalente a 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão não onerosa da nua-propriedade.
O artigo 6º, I, “f”, da mesma lei, expressamente prevê a isenção do ITCMD no caso de extinção do usufruto nos casos em que o nu-proprietário tenha sido o seu instituidor.
Por outro lado, o artigo 31, §3º, do Decreto Estadual nº 46.655/2002 trata do recolhimento do imposto fixando que este ocorrerá “por ocasião da consolidação da propriedade plena, na pessoa do nu-proprietário, sobre o valor do usofruto, uso ou habitação”.
No mesmo sentido, a Decisão Normativa CAT nº 03/2010[1] estabelece que “o fato de a extinção do usufruto não ser hipótese de incidência do ITCMD não traz implicações nas situações em que houve doação do bem imóvel com reserva de usufruto, em favor do doador”.
De acordo com tal posicionamento, “com a morte do usufrutuário ou com a renúncia ao usufruto, consolida-se a propriedade e deverá ser recolhido a parcela restante do imposto referente à doação ocorrida anteriormente e não referente à extinção do usufruto, que corresponde a 1/3 (um terço) do valor do bem, devidamente corrigido.”
É com base nestes dois últimos fundamentos que o Fisco Estadual costuma cobrar o imposto em dois momentos distintos: quando a doação é realizada, havendo o recolhimento do imposto sobre dois terços do valor do bem, e no momento da extinção do usufruto e consequente consolidação da propriedade, quando passa a ser devido o correspondente a 4% sobre um terço do valor do bem.
E aqui chegamos ao ponto central: a cobrança do ITCMD no momento da extinção do usufruto que tem sido objeto de discussão no Judiciário, inclusive com posicionamentos favoráveis aos contribuintes, conforme veremos abaixo.
Posicionamento do TJ-SP
Em recente posicionamento, a 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) afastou a incidência do ITCMD no momento de extinção do usufruto.[2]
No caso analisado a autora recebeu doação de bem imóvel com reserva de usufruto vitalício ao seu genitor, procedendo o recolhimento do ITCMD sobre dois terços da nua-propriedade. Posteriormente, o usufrutuário do imóvel faleceu, ensejando a extinção do usufruto e, consequentemente, a consolidação da propriedade da autora. O Fisco Estadual então autuou a autora em função do não recolhimento do tributo vinculado a este segundo momento.
A relatora do caso, Des. Flora Maria Nesi Tossi Silva, entendeu que esta possibilidade “não figura entre as hipóteses de incidência do ITCMD previstas em lei, pois não se trata de transmissão de bem ‘causa mortis’, sequer de doação, tratando-se, em verdade, de consolidação da propriedade plena na pessoa do nuproprietário.”
A desembargadora ponderou que, apesar do artigo 31, §3º, II, do Decreto Estadual nº 46.655/2002 estabelecer que a consolidação da propriedade plena enseja o recolhimento de ITCMD pelo nu-proprietário, tal previsão está em desacordo com a Lei Estadual nº 10.705/2000 e por isso não deve ser aplicada.
Assim sendo, prosperou o afastamento da exigência de recolhimento de ITCMD em hipótese de extinção ou cancelamento de usufruto, em virtude da previsão da Lei Estadual nº 10.705/2000 supracitada.
Importante ressaltar que este não foi o primeiro posicionamento favorável aos contribuintes. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia adotado este entendimento ao analisar casos semelhantes.[3]
Nossas considerações
Como é possível perceber, existem fortes argumentos para que os contribuintes paulistas afastem a incidência do ITCMD no momento da extinção do usufruto, sobretudo em função do posicionamento recente e favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o tema.
Importante ressaltar que o momento é bastante favorável para aqueles que desejam o planejamento sucessório por meio da formalização de doações com reserva de usufruto, tendo em vista a expectativa de que a alíquota do ITCMD, que hoje é de 4% no Estado de São Paulo, aumente no futuro. Isso porque, o Projeto de Lei (PL) nº 250/2020, em tramitação desde o ano passado, pretende elevar a alíquota progressivamente, podendo chegar até 8%.
Há, ademais, o risco de que o Senado Federal promova o aumento dos percentuais máximos do ITCMD a serem aplicados pelos Estados, para permitir que estes fixem alíquotas de 8% a 20%. Caso queira saber mais, veja o nosso artigo “Possíveis Mudanças no ITCMD em São Paulo – Projeto de Lei Estadual nº 250/2020”.
Continue nos acompanhando e fique por dentro das novidades sobre mais este tema relevante.
[1] SEFAZ-SP. Decisão Normativa CAT nº 3 de 26/02/2010.
[2] TJSP. Apelação Cível nº 1046966-50.2019.8.26.0224; Relator: Flora Maria Nesi Tossi Silva; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 12/11/2020.
[3] TJSP. Apelação Cível 1019676-59.2017.8.26.0053; Relator: Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 4ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 27/04/2018; Data de Registro: 27/04/2018.