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No último dia 25 de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento do Tema 962 da Repercussão Geral e considerou inconstitucional a incidência do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre a Taxa Selic aplicada nas ações de repetição de indébito e recebida pelas empresas.
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Recurso Extraordinário (RE) nº 1.063.187
A decisão do STF foi proferida após a apreciação do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.063.187, interposto pela União em face de acórdão do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4)¹, que reconheceu a inexigibilidade dos impostos federais sobre os juros de mora e correção monetária percebidos por empresa do setor de fundição de ferro e aço e decorrentes da repetição de indébito tributário.
De acordo com o Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, a Corte Especial do Tribunal Regional, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade nº 5025380-97.2014.4.04.0000, já havia declarado a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do parágrafo primeiro do artigo 3º da Lei nº 7.713/1988, do artigo 17 do Decreto-Lei nº 1598/1977 e do artigo 43, inciso II e parágrafo primeiro do Código Tributário Nacional², a fim de afastar a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a Taxa Selic recebida nessas situações.
Em razão disso, o julgador do TRF-4 entendeu que tais valores não deveriam ser objeto de tributação e reconheceu o direito do contribuinte à restituição/compensação do montante recolhido nos últimos cincos anos.
Para combater a decisão acima mencionada, a União alegou em seu Recurso Extraordinário que durante o julgamento do Recurso Especial nº 1.138.695³, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que os juros moratórios oriundos da repetição de indébito possuem natureza de lucros cessantes, isto é, buscam indenizar, não o que foi efetivamente perdido, mas o que deixou de ser obtido.
Sendo assim, tais valores, de acordo com a União e o STJ, deveriam se sujeitar a tributação dos impostos federais.
A Fazenda Nacional ponderou, ainda, (i) que o constituinte não definiu a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, motivo pelo qual a discussão seria infraconstitucional; (ii) que mesmo sendo uma verba de natureza indenizatória, os juros de mora representam um acréscimo patrimonial, devendo ser tributado como tal; e (iii) que como o valor principal é submetido à incidência dos referidos impostos, legítima seria a tributação da correção monetária e dos juros de mora, diante da regra de que o acessório segue o principal.
Voto do Relator Ministro Dias Toffoli
Ao analisar o Recurso da União, o Relator do caso, Ministro Dias Toffoli, explicou que os juros moratórios recebidos nesses casos, classificam-se como um dano emergente, pois visam compensar uma perda patrimonial efetiva do credor.
Diante disso, no correto entendimento do Ministro, o IRPJ e a CSLL somente deveriam incidir sobre os valores relativos aos lucros cessantes, mas não os danos emergentes.
De acordo com o Relator, o lucro cessante tem a finalidade de substituir o incremento patrimonial que o credor teria, caso o dano não tivesse ocorrido, e que seria normalmente tributado pelos impostos federais.
Por sua vez, o dano emergente apenas recompõe o patrimônio desfalcado do credor, sem elevá-lo, motivo pelo qual não faria sentido tributá-lo pelos impostos federais.
Felizmente, prevaleceu o entendimento do Relator, restando fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.
Voto divergente do Ministro Gilmar Mendes
Voto divergente apresentou o Ministro Gilmar Mendes, entendendo que a discussão é infraconstitucional e, em razão disso, deveria ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Conforme pontuou o Ministro, o STF já havia se pronunciado anteriormente pela ausência de questão constitucional em relação a incidência do IRPJ sobre os juros de mora oriundos do atraso do pagamento das remunerações percebidas em razão da atividade laboral⁴.
Além disso, o Ministro esclareceu que o STJ já firmou algumas teses, na sistemática dos recursos repetitivos, referentes a tributação, pelo imposto de renda, de determinados valores, como é o caso do Tema 470⁵, do Tema 504⁶ e do Tema 505⁷.
Nessa linha, nas palavras do Ministro, permitir que o STF “seja obrigado a apreciar questão sob a ótica constitucional pelo simples fato de um Tribunal Regional ter decidido pela inconstitucionalidade de norma, após a manifestação deste STF pela infraconstitucionalidade da questão, é, em definitiva, admitir que Tribunais inferiores pautem o Supremo Tribunal Federal.”
Diante disso, o Ministro optou pelo não conhecimento do Recurso Extraordinário e sugeriu a remessa dos autos ao STJ para julgamento como Recurso Especial, assim como prevê o artigo 1.033 do CPC/2015⁸. Ainda com tais ressalvas, no mérito, acompanhou o voto do Relator.
Considerações finais
Não obstante o posicionamento atual do STJ, de que os juros de mora e a correção monetária representam um acréscimo patrimonial e, como tal, devem ser tributados, para o alívio dos contribuintes, a Suprema Corte entendeu, de forma acertada, que a Taxa SELIC nesses casos objetiva a recomposição do patrimônio, sem acrescê-lo, de modo que tais valores não poderiam ser enquadrado como receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL.
A decisão do STF representa uma grande vitória para os contribuintes e pode desafogar o caixa de muitas empresas, sobretudo se considerarmos o desfecho do julgamento da Tese do Século, que motivou a recuperação do PIS e da COFINS recolhidos indevidamente pelas pessoas jurídicas em razão da equivocada inclusão do ICMS em suas bases de cálculo.
¹TRF-4, Apelação Cível nº 5023667-06.2014.4.04.7205/SC, Relator Rômulo Pizzolatti, julgado em 14/12/2016.
²Art. 3º – O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei.
§ 1º Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.
(…)
Art 17 – Os juros, o desconto, a correção monetária prefixada, o lucro na operação de reporte e o prêmio de resgate de títulos ou debêntures, ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos com vencimento posterior ao encerramento do exercício social, poderão ser rateados pelos períodos a que competirem.
(…)
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
(…)
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
³Recurso Especial nº 1.138.695-SC, Ministro Relator Mauro Campbell Marques, julgado em 22/05/2013.
⁴Agravo de Instrumento nº 705941 e Recurso Extraordinário nº 611512 , vinculados aos Temas 236 e 306 de Repercussão Geral, respectivamente.
⁵Tema 470 do STJ – Não incide Imposto de Renda sobre os juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em
decisão judicial.
⁶Tema 504 do STJ – Os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL.
⁷Tema 505 do STJ – Quanto aos juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa.
⁸Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.