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A 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, no último dia 21 de setembro de 2022, julgou procedente a Ação Anulatória c/c restituição de indébito, para anular a autuação fiscal decorrente de omissão no recolhimento do imposto de renda incidente sobre operação de incorporação de ações.
Diferença entre incorporação de ações e alienação de ações
De início, antes de adentrar ao caso em questão, é necessário entender a diferença entre incorporação de ações e alienação de ações, pois o tema será abordado no decorrer do artigo.
Enquanto a incorporação de ações é instituto do Direito Societário e está prevista no artigo 252, da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedade por Ações), sendo um mecanismo que somente substitui as ações por meio da sub-rogação, com o intuito de garantir que todas as ações de uma determinada empresa sejam incorporadas por outra empresa.
A Alienação de ações nada mais é do que uma operação de compra e venda das ações pertencentes a uma empresa. Na alienação ocorre, a transferência da propriedade, que no caso em questão são as ações, para outro interessado.
O caso em questão
A sentença foi proferida pela Juíza Federal Noemi Martins de Oliveira no processo nº 5002494-57.2020.4.03.6100 em trâmite perante a 14ª Vara Cível Federal de São Paulo.
O caso em questão trata de ação ajuizada por Osorio Henrique Furlan Junior e sua esposa, Márcia Regina Passos Furlan, em face da União Federal, buscando a desconstituição do crédito tributário lançado, no valor de R$ 19.035.771,79, em razão de suposta omissão de recolhimento do imposto de renda incidente sobre operação de incorporação de ações.
Em breve resumo, o autor era acionista da sociedade Sadia e adquiriu ações ordinárias da sociedade HFF Participações S.A.
Ocorre que, após a aquisição dessas ações fora aprovado, pela Assembleia Geral, a incorporação da totalidade das ações da HFF pela BRF S.A., tornando-se a HFF uma subsidiária integral da BRF S.A.
Com essa operação, as ações ordinárias da HFF foram incorporadas ao patrimônio da BRF S.A, ou seja, os acionistas que anteriormente possuíam ações da HFF passaram a possuir ações da BRF S.A.
Em razão disso, o fisco considerou essa operação como uma alienação de ações, autuando os autores por omissão no recolhimento do imposto de renda incidente sobre operação de incorporação de ações, com fulcro no artigo 252, da Lei nº 6.404/64 (Lei das Sociedades Anônimas).
Inconformados com essa autuação os autores apresentaram impugnação perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Acontece que o órgão possui o entendimento de que a incorporação de ações constitui uma forma de alienação, motivo pelo qual manteve a autuação fiscal, vejamos:
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA IRPF Data do fato gerador: 08/07/2009, 18/08/2009 INCORPORAÇÃO DE AÇÕES. ALIENAÇÃO. GANHO DE CAPITAL. A incorporação de ações constitui uma forma de alienação. O sujeito passivo transfere ações, por incorporação de ações, para outra empresa, a título de subscrição e integralização das ações que compõem seu capital, pelo valor de mercado. Sendo este superior ao valor de aquisição, a operação importa em variação patrimonial a título de ganho de capital, tributável pelo imposto de renda, ainda que não haja ganho financeiro. JUROS DE MORA SOBRE MULTA DE OFÍCIO. A obrigação tributária principal compreende tributo e multa de ofício proporcional, e sobre o crédito tributário constituído, incluindo a multa de ofício, incidem juros de mora, devidos à taxa Selic. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, por unanimidade de votos, em conhecer do Recurso Especial e, no mérito, por voto de qualidade, em negar-lhe provimento, vencidos os conselheiros Patrícia da Silva, Ana Paula Fernandes, João Victor Ribeiro Aldinucci (suplente convocado), que lhe deram provimento e a conselheira Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri, que lhe deu provimento parcial. Manifestaram intenção de apresentar declaração de voto as conselheiras Patrícia da Silva e Ana Paula Fernandes. (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Câmara Superior de Recursos Fiscais, Processo nº 10880.721059/2013-53, Acórdão nº 9202005.534, pub. 09/08/2017) [1]
Descontentes com a decisão do CARF os autuados ingressaram com Ação Anulatória c/c restituição de indébito, em face da União Federal, para anular a autuação fiscal decorrente de omissão no recolhimento do imposto de renda incidente sobre operação de incorporação de ações.
A Sentença proferida
Para a Magistrada “tendo em vista que a operação de incorporação de ações é instituto jurídico próprio do Direito Societário, prevista no art. 252 da Lei 6.404/1976, não há como confundir com a operação de alienação de ações. O que ocorre é mera substituição de ações mediante sub-rogação, uma vez que há sucessão, continuidade e absorção de patrimônio, entre as partes envolvidas, não havendo ganho tributável aferível na operação por não haver variação patrimonial positiva.”
Consta da sentença que não há fundamento legal que autorize a exigência de imposto de renda pessoa física por suposto ganho de capital na operação de incorporação de ações em análise, não sendo permitido exigir tributo com base em analogia ou mediante interpretação econômica do fato gerador, nos moldes da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.446.
A ação foi julgada procedente extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para anular a autuação fiscal.
Vale destacar que uma parte da jurisprudência possui entendimento nesse sentido, vejamos:
TRIBUTÁRIO. SOCIETÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. SUBSTITUIÇÃO DE AÇÕES NA CONVERSÃO EM SUBSIDIÁRIA INTEGRAL. GANHO DE CAPITAL. OMISSÃO DE RENDIMENTOS. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE RECEBIMENTO DE VALORES. HIPÓTESE DE NÃO-INCIDÊNCIA. IRRELEVÂNCIA DE SE CONSIDERAR A HIPÓTESE COMO ALIENAÇÃO. DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCAL. DECISÃO POR MAIORIA.
- Há uma diferença de natureza entre a incorporação de sociedades e a incorporação de ações. No caso da primeira, há uma transferência integral do patrimônio da empresa incorporada, inclusive de seus direitos e obrigações, que deixa de existir. No caso da incorporação de ações, a empresa incorporada não deixa de existir, havendo a transferência apenas das ações para a incorporadora. No caso da conversão da empresa em subsidiária integral, a incorporadora passa a ser sua única sócia.
- No caso dos autos, a parte autora detinha 92% das ações da empresa incorporada, transferidas à incorporadora, que, em contrapartida, entregou aos acionistas da incorporada a mesma proporção de ações que estes detinham antes. Na prática, as ações da parte autora subrogaram-se nas novas ações, tendo sido matido, na sua declaração de bens, o valor de custo das ações e não o valor da avaliação mercadológica, esta imposta pela Lei das Sociedades Anônimas. (Lei . 6.404/76)
- Hipótese em que a mais valia decorrente da avaliação das ações dadas em substituição, determinada pelo art. 252 e §§ da Lei das Sociedades Anônimas, não está sujeita à incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física, mormente se a pessoa física manteve em sua declaração de bens o valor de custo das ações.
- No caso, da análise da situação fática, da doutrina e da parca jurisprudência administrativa e judicial a respeito, pode-se chegar as seguintes conclusões:
(a) a conversão em subsidiária integral foi tida pelo Fisco como legítima, não se caracterizando como abuso de direito ou ato fraudulento, embora não se possa ser ingênuo, do ponto de vista tributário, e desconsiderar que se tratou de uma ação de planejamento fiscal; porém, legítima, tanto que não aplicada a multa de 150%, prevista para as situações fraudulentas; considerou-se, em relação à pessoa física, ter ocorrido apenas omissão do ganho de capital na declaração de ajuste;
(b) a avaliação das ações da empresa para a obtenção do valor de mercado é decorrência de uma imposição legal (art. 252, § 1º, da Lei 6.404/76);
(c) o contribuinte pessoa física autuado manteve em sua declaração de ajuste o valor que dela já constava, não considerando a mais valia decorrente da avaliação que, frise-se, decorre de imposição legal;
(d) a incorporação de ações, no caso, mesmo que se considere uma alienação, não implicou em recebimento de valores em dinheiro, tendo ocorrido, segundo a doutrina que aderiu a maioria do colegiado, mera substituição de ações, sendo o aumento de capital daí decorrente apenas meio e não fim;
(e) a substituição de ações, portanto, não gera ganho de capital tributável pelo IRPF, por se constituir em mera troca de ações. Não se aplica, por conseguinte, na espécie, a regra constante no artigo 3º, § 3º, da Lei n. 7.713/88, nem tampouco a inserta no artigo 23 da Lei nº 9.249/95, esta última um dos fundamentos básicos do ato fiscal;
(f) a tributação pelo imposto de renda pessoa física, na hipótese, representaria tributação sobre renda virtual, transformando-se em tributação sobre o patrimônio e não sobre renda efetivamente auferida, ofendendo, ainda, o princípio da capacidade contributiva e o regime de caixa, regra geral de tributação do imposto de renda da pessoa física.
- Análise da situação sob a perspectiva da pessoa física.
- Quanto à verba honorária, arbitrada em quantia fixa, fica mantida, na linha dos precedentes desta Turma, considerando-se os parâmetros do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, pois, vencida a Fazenda Pública, a mesma se apresenta consentânea, na medida em que o julgamento da causa ocorreu sem maiores incidentes processuais, não tendo ocorrido instrução probatória delongada, sendo o feito sentenciado com base nos documentos adunados aos autos pelas partes, cingindo-se a discussão a questão jurídica pontual, a despeito de relativamente nova no âmbito judicial a matéria. Fica mantida, também neste particular, a sentença. Recurso da parte autora improvido.
- Sentença de procedência mantida, inclusive quanto aos ônus sucumbenciais, por maioria, e, nessa linha, afastada a autuação fiscal.” (TRF-4, Apelação n. 5052793-42.2011.4.04.7000, 2ª Turma, relator para Acórdão Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, j. 22/09/2015, M. V.) [3]
Por outro lado, o CARF possui entendimento no sentido de que essa operação se caracteriza como alienação e está sujeita a apuração de ganho de capital, conforme é possível verificar abaixo:
INCORPORAÇÃO DE AÇÕES PARA CONVERSÃO DA EMPRESA INCORPORADA EM SUBSIDIÁRIA INTEGRAL. SUBSTITUIÇÃO DAS AÇÕES PELA INCORPORADORA. ALIENAÇÃO CARACTERIZADA. GANHO DE CAPITAL. OCORRÊNCIA.
A operação de entrega de ações para incorporação, nos moldes previstos no art. 252 da Lei das S/A, mediante o recebimento de novas ações emitidas pela empresa incorporadora, ambas avaliadas a valor de mercado, caracteriza-se como alienação e está sujeita a apuração de ganho de capital.” (CARF, Processo n. 10880.721781/2014-79, Recurso Especial do Contribuinte, Acórdão n. 9101-005.777 – CSRF / 1ªTurma, Redator Designado Luiz Tadeu Matosinho Machado, j. 09/09/2021, M. V.) [4]
INCORPORAÇÃO DE AÇÕES. TRIBUTAÇÃO O GANHO DE CAPITAL.
Os negócios jurídicos que se integram na incorporação de ações ocorrem em razão de manifesta deliberação dos sócios ou acionistas das sociedades envolvidas mediante assembleias, nos termos do artigo 252 da Lei n° 6.404/76; portanto, são os acionistas que determinam os valores pelas quais as operações serão realizadas (observadas as prescrições legais tendentes a proteger acionistas minoritários) de modo que se a operação de subscrição realizar-se por valor superior ao valor contábil, haverá apuração de ganho de capital tributável.” (CARF, Processo n. 16327.720302/201205, Recurso Especial do Contribuinte, Acórdão n. 9101003.536 / 1ª Turma, Redator Designado Flávio Franco Corrêa, j. 04/04/2018, M. V.) [5]
Considerações finais
Como vimos, o assunto em questão não é pacificado, posto que enquanto o Poder Judiciário tem decidido de forma favorável ao contribuinte, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem proferido decisões de forma diversa.
Parte entende que, uma vez que há sucessão não existe o fato gerador para o Imposto de Renda, uma vez que não houve ganho tributário na operação. Por outro lado, outra corrente entende que há ganho tributável nessa operação. [6]
Em razão dessa divergência o Fisco continua autuando e os contribuintes buscam soluções no Judiciário ou até mesmo junto ao CARF.
Nesse caso, é sempre mais recomendado analisar o caso concreto e sopesar os prós e contras sobre as providências a serem tomadas no âmbito das operações societárias e os impactos que poderão gerar aos seus acionistas, bem como as medidas a serem adotadas para diminuir seus efeitos negativos.
A equipe do Molina Advogados está à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema.
Continue nos seguindo e fique por dentro de todas as novidades tributárias.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[1] Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Câmara Superior de Recursos Fiscais, Processo nº 10880.721059/2013-53, Acórdão nº 9202005.534, pub. 09/08/2017.
[2] Processo n.º 5002494-57.2020.4.03.6100, Juíza Federal Noemi Martins de Oliveira, 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, julgado em 21 de setembro de 2022.
[3] TRF-4, Apelação n. 5052793-42.2011.4.04.7000, 2ª Turma, relator para Acórdão Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, j. 22/09/2015, M. V.
[4] CARF, Processo n. 10880.721781/2014-79, Recurso Especial do Contribuinte, Acórdão n. 9101-005.777 – CSRF / 1ªTurma, Redator Designado Luiz Tadeu Matosinho Machado, j. 09/09/2021, M. V.
[5] CARF, Processo n. 16327.720302/201205, Recurso Especial do Contribuinte, Acórdão n. 9101003.536 / 1ª Turma, Redator Designado Flávio Franco Corrêa, j. 04/04/2018, M. V.
[6] Disponível em < https://www.conjur.com.br/2021-dez-07/carf-aponta-incidencia-ir-incorporacao-acoes#:~:text=Para%20essa%20corrente%2C%20a%20opera%C3%A7%C3%A3o,incid%C3%AAncia%20do%20Imposto%20de%20Renda. > ; Acesso em: 14 de outubro de 2022.