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Recentemente, a Secretaria da Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta COSIT nº 36, de 7 de fevereiro de 2023, a qual alinhou sua posição ao entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal quanto à tributação das transações comerciais envolvendo o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador padronizados ou customizados.
Após quase duas décadas, o Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento no que concerne à dicotomia entre “obrigação de dar” e “obrigação de fazer” para subsunção do fato à norma e a consequente incidência do ISS ou do ICMS.
Seguindo a referida alteração, a Secretaria da Receita Federal do Brasil igualmente alterou seu entendimento, veiculado na mencionada Solução de Consulta COSIT. Contudo, tais mudanças aumentam, consideravelmente, a carga tributária envolvida nestas operações, assim como abre novas portas para debates. Exploraremos abaixo tais impactos.
Breve histórico: RE 688.223, ADI nº 1945 e ADI nº 5659
Os softwares, de maneira simples, são bens intangíveis, isto é, não palpáveis, imateriais, sem qualquer corpo físico, frutos das ideias e veiculados por meio de licenças ou assinaturas, ambas abarcadas, em nosso entendimento, pelo gênero licença de uso de software que consiste em um bem imaterial usufruído pela utilidade/uso.
Com a evolução da jurisprudência, pelo julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1945[1] e 5659[2] e do RE 688.223[3], foi construído o entendimento de que as atividades no comércio não se aderem mais à classificação de “dar, fazer ou não fazer”, visto que, nos serviços, a atividade não se resume a uma única ação, nem a um único objeto, contendo diversas ações, as quais (mediatas ou imediatas) ensejam utilidades pelas quais o contratante do serviço paga.
Isso porque, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1945 e 5659, prevaleceu o voto do Ministro Relator Dias Toffoli de que o licenciamento e a cessão de direito de uso de programas de computação, sejam esses de qualquer tipo, estão sujeitos ao ISS, e não ao ICMS. Seguindo esta linha, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional a incidência de ISS sobre contratos de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador (software) desenvolvidos de forma personalizada, motivo pelo qual desproveu o Recurso Extraordinário nº 688223, com repercussão geral reconhecida – Tema nº 590.
Nos autos do RE nº 651.703, paradigma desta temática (obrigação de “dar, fazer ou não fazer”), restou consignado o entendimento de que o serviço é mais do que uma obrigação de fazer, sendo um bem imaterial usufruído pelo uso, pela facilidade, pela utilidade que vem com as licenças de uso, ainda que temporárias.
Sob este aspecto, nota-se que o conceito de prestação de serviço foi aprimorado ao longo dos anos e novos critérios de interpretação surgiram. Esse novo enfoque não tem por premissa a configuração dada pelo Direito Civil, é mais amplo e contempla o oferecimento de uma utilidade a outra pessoa a partir de um conjunto de atividades materiais ou imateriais, não se aplicando mais a dicotomia de “obrigação de fazer” (software personalizado) ou de “obrigação de dar” (software de prateleira).
Indo de encontro com este novo entendimento, a Secretaria da Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 36, de fevereiro de 2023.
O que a Solução de Consulta COSIT nº 36, de fevereiro de 2023, alterou?
Por meio da Solução de Consulta COSIT nº 36/2023, a Secretaria da Receita Federal esclareceu que, para as transações comerciais envolvendo licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador padronizados ou customizados em pequena extensão, passa a ser aplicado o percentual de 32% para o IRPJ e para a CSLL, no que tange à determinação da base de cálculo tributável no regime do Lucro Presumido[4].
Há anos a Secretaria da Receita Federal publicava Soluções de Consulta na linha de que a licença de uso de software contemplava atividade comercial, razão pela qual incidia o percentual de 8% para apuração do IRPJ e de 12% para CSLL. Era considerado serviço apenas software por encomenda, ao qual se aplicava o percentual de 32%.
Percebe-se, portanto, que, com a publicação desta Solução de Consulta, restou alterada a posição prévia da Secretaria da Receita Federal para ir de encontro com o entendimento pacificado do Supremo Tribunal Federal, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1945 e 5659 e do RE 688.223, que alterou o conceito de licença de uso de software para tratá-la como prestação de serviços.
Logo, a partir de sua publicação, deverão ser aplicados os artigos 15, § 1º, III e 20, ambos da Lei nº 9.249/1995, os quais determinam que, para as prestações de serviços em geral, o percentual de presunção é de 32% nas licenças de uso de software – evidenciando um aumento considerável na carga tributária.
Outros impactos
Além do aumento da carga tributária para estas transações, poderá ocorrer outra mudança de orientação, agora em relação à tributação do PIS/COFINS importação. Se consideradas mercadorias (entrada material de um bem do exterior), as remessas de recursos ao exterior para pagamento das licenças de uso de software não eram alcançadas pelo PIS e pela COFINS.
Por outro lado, se passarem a ser consideradas como serviço, muito provavelmente, a Secretaria da Receita Federal do Brasil passará a cobrar PIS e COFINS no pagamento ou na remessa de recursos ao exterior.
Há outros dois pontos que gerarão impactos, agora, de forma favorável aos contribuintes. Atualmente, os pagamentos realizados pelas empresas brasileiras a empresas localizadas no exterior – como exemplo: remessas ao exterior pelo licenciamento ou cessão de direito de uso de software – são considerados royalties e, por consequência, há a incidência de IRRF a alíquota de 15%
Entretanto, uma vez que não são mais consideradas mercadorias, mas sim serviço, essas transações estariam enquadradas no artigo 7º dos tratados internacionais. Em regra, este artigo – que consta na maioria dos acordos firmados – assevera que não pode haver retenção de tributo no Brasil quando se trata de prestação de serviço.
Outro aspecto favorável, agora em relação ao regime não cumulativo, envolve a possibilidade de tomada de crédito de PIS e COFINS, já que as operações com software passarão a ser consideradas como serviço, e não mais mercadoria.
A Secretaria da Receita Federal não considera o pagamento com royalties como insumo, por ausência de previsão legal. Todavia, as Leis do PIS e da COFINS estabelecem, expressamente, que bens ou serviços utilizados como insumos dão direito a crédito. Por conseguinte, sendo as transações com softwares consideradas serviços, a partir desta Solução de Consulta, os dispêndios com os programas passariam – a nosso ver – ser creditáveis.
Nossas conclusões
É possível verificar que as alterações promovidas pela Solução de Consulta nº 36/2023 representam uma unificação de entendimento, da Secretaria da Receita Federal ao Supremo Tribunal Federal, no que diz respeito às transações comerciais que envolvem o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador padronizados ou customizados.
Tais alterações, conforme consignado na própria Solução de Consulta, não retroagem a entendimentos já publicados anteriormente – englobando apenas fatos futuros.
O novo entendimento veiculado pela Secretaria da Receita Federal, de certo, levará a judicialização do tema, visto que tal mudança aumenta a carga tributária. Todavia, há alterações que poderão favorecer determinados contribuintes, como exposto acima, a depender da particularidade de cada empresa.
Acompanharemos o tema e publicaremos novo artigo a depender da evolução do assunto.
Qualquer necessidade, o time do Molina Advogados está à disposição.
MOLINA ADVOGADOS
[1] ADI nº 1945 cujo tema central contempla a inconstitucionalidade do inciso VI do art. 2º e do § 6º do art. 6º, por bitributação e invasão da competência municipal, dado que o Estado fez incidir o ICMS sobre operações com software, ainda que realizadas por transferência eletrônica de dados, operações já tributadas pelo ISS.
[2] ADI nº 5659 pleiteando a inconstitucionalidade do Decreto estadual n° 46.877/2015-MG, e interpretação conforme do art. 5° da Lei n° 6.763/75; do art. 1°, I e II, do Decreto nº 43.080/2002, ambos de Minas Gerais; bem como do art. 2° da LC 87/96, a fim de excluir das hipóteses de incidência do ICMS as operações com software.
[3] Tema nº 590: ISS sobre contratos de licenciamento ou de cessão de software desenvolvido para clientes de forma personalizada.
[4] Empresas com faturamento de até R$ 78 milhões por ano. Maior parte do setor das empresas envolvidas neste artigo.