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Em recente posicionamento, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (SEFAZ-SP) manifestou-se, por meio da Resposta à Consulta nº 25.343, de 31 de março de 2023, sobre a incidência do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) em operação envolvendo trust no exterior e beneficiário residente no Estado de São Paulo. Quer saber mais sobre o tema? Veja abaixo o resumo que preparamos para você com os principais aspectos.
Entenda o Caso Analisado:
Antes de adentrarmos no posicionamento exarado pela SEFAZ-SP é fundamental entender o contexto e as peculiaridades do caso analisado.
O trust pode ser definido como “relações jurídicas criadas – inter vivos ou após a morte – por alguém, o outorgante, quando os bens forem colocados sob controle de um curador para o benefício de um beneficiário ou para alguma finalidade específica”.¹ Vale destacar que o outorgante em questão pode ser chamado de “settlor” e o curador de “trustee”
No caso em questão, o trust foi constituído em dezembro de 2017, a partir do aporte de bens por determinada empresa estabelecida no exterior, em benefício do Consulente e outros, pelo prazo de 150 anos ou até ato posterior que alterasse tal disposição.
Entre as características do trust analisado destacou-se: (i) a irrevogabilidade, já que o settlor não dispõe de controle sobre os ativos; (ii) o fato do Settlor e beneficiários não se confundirem; (iii) a autonomia do patrimônio do trust em relação aos patrimônios do settlor, do trustee e dos beneficiários; (iv) a distribuição a título gratuito, uma vez que não há qualquer previsão de obrigações ou contraprestações por parte dos beneficiários.
A Consulente destacou, ainda, que a transferência de ativos do trust para os beneficiários se caracterizaria como doação e mencionou posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108/SP que entendeu pela impossibilidade dos Estados e o Distrito Federal instituírem o ITCMD sobre doações de bens localizados no exterior e por doador estrangeiro, dada a inexistência de lei complementar regulando a incidência do imposto nesses casos.
Diante deste cenário, questionou se a distribuição de ativos localizados no exterior, por um trust irrevogável, sediado no exterior, a beneficiário, pessoa física residente no Estado de São Paulo, deve ser considerada como uma doação feita ao beneficiário e se haveria a incidência do ITCMD mesmo diante da decisão do STF mencionada.
A Resposta à Consulta Tributária nº 25.343
Por meio da Resposta à Consulta nº 25.343 a SEFAZ-SP considerou que no caso em questão a instituição do trust não tinha como objetivo o pagamento, existindo, na verdade, uma doação de direitos ao Consulente (pessoa natural, residente no Estado de São Paulo) e outros beneficiários, promovida por doador no exterior.
Neste sentido, entendeu o Fisco que, “em que pese a decisão do STF no âmbito do RE nº 851.108/SP, permanece válido e vigente no ordenamento jurídico o artigo 4º da Lei nº 10.705/2000” que trata sobre a incidência do ITCMD nos casos em que o donatário tiver domicílio em São Paulo e o bem corpóreo estiver no exterior ou o ato da transferência de bem incorpóreo ocorrer em outro país.
Assim sendo, a Resposta à Consulta nº 25.343² concluiu que há incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre o trust analisado.
O Posicionamento do STF
Vale relembrar que, conforme mencionado pela Consulente, a questão da incidência do ITCMD nas hipóteses em que o doador estiver domiciliado no exterior e nos casos em que o de cujus for residente ou tiver seu inventário processado fora do Brasil já foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108/SP (Tema 825 da Repercussão Geral).
Na ocasião, a Corte concluiu pela impossibilidade dos Estados e o Distrito Federal cobrarem o ITCMD sobre doações de bens localizados no exterior e por doador estrangeiro, dada a inexistência de lei complementar regulando a incidência do imposto.
Neste sentido, foi fixada a tese: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.
Fique atento!
Dentre as inúmeras discussões geradas pelo posicionamento da SEFAZ-SP, destaca-se que este desconsidera a própria sistemática do trust que, muitas vezes, estabelece que só será entregue o patrimônio aos beneficiários em momento futuro e mediante o cumprimento de certas condições. Do modo como estabeleceu a SEFAZ-SP, haveria uma verdadeira antecipação da tributação do trust.
Resta inquestionável, ainda, o evidente desrespeito ao entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, uma vez que a própria Resposta Consulta admitiu se tratar de doação de bens no exterior e o STF já fixou a necessidade de lei complementar para que haja a cobrança do ITCMD por parte dos Estados e Distrito Federal em casos como este, que não foi editada até o momento, não sendo suficiente apenas lei estadual dispondo sobre o tema.
Além da insegurança jurídica, o posicionamento da SEFAZ-SP também implica em um aumento dos litígios, uma vez que os contribuintes deverão buscar o Poder Judiciário para garantir o afastamento do ITCMD nestas operações.
Por fim, vale destacar que no final do ano passado foi apresentado Projeto de Lei Complementar (PLP) 145/2022 que pretende tratar sobre as regras aplicáveis ao trust, incluindo o tratamento tributário (ITCMD e IR) a ser dispensado às transferências patrimoniais, aos ganhos de capital e aos rendimentos relacionados.³ O projeto segue em tramitação perante a Câmara dos Deputados e já possui relator.
Continue nos seguindo e fique por dentro de todas as novidades.
¹ Artigo 2º da Conferência de Haia de Direito Privado (HccH) – “Convenção sobre a lei aplicável ao trust e ao seu reconhecimento”, assinada em 1º de julho de 1985.
² SEFAZ-SP. Resposta à Consulta Tributária nº 25.343/2022, de 31 de março de 2023. Disponível em: <https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/RC25343_2022.aspx> Acesso em: 20 abr. 2023.
³ Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Complementar PLP 145/2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2339412. Acesso em: 24 abr. 2023.