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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou recentemente um relatório elaborado por seu grupo de trabalho sobre os potenciais impactos da Reforma Tributária no sistema de justiça brasileiro. O documento traça um diagnóstico contundente: a instituição dos novos tributos sobre o consumo — Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — poderá triplicar o atual volume de processos tributários em tramitação no Judiciário, especialmente na Justiça Federal.
Segundo o STJ, a Emenda Constitucional nº 132/2023 e os projetos de lei complementar atualmente em discussão no Congresso Nacional negligenciaram a estruturação do contencioso administrativo e judicial do novo sistema tributário, concentrando-se apenas na disciplina material dos tributos substitutivos.
O cenário atual e a projeção futura
Atualmente, o STJ recebe cerca de 63 mil processos tributários por ano, dos quais 19 mil referem-se diretamente aos tributos que serão extintos — como ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS. A Corte projeta que, mantida a estrutura existente e diante da natureza dual do novo sistema (IBS estadual/municipal + CBS federal), haverá um crescimento exponencial da litigância.
Uma das razões é que, sobre um mesmo fato gerador, haverá titulares distintos de crédito tributário (União, Estado de destino e Município de destino). Em tese, cada ente poderá ajuizar sua própria execução fiscal, gerando três processos distintos sobre o mesmo fato, o que compromete os princípios da eficiência, economicidade e segurança jurídica.
Quem julgará os novos tributos?
A Advocacia-Geral da União (AGU) propôs a criação de varas especializadas mistas, compostas por juízes federais e estaduais, como solução para o novo contencioso. O STJ, por sua vez, discorda dessa abordagem e propõe a especialização exclusiva da Justiça Federal, inclusive para as causas relativas ao IBS — tributo de competência estadual e municipal.
A justificativa do STJ é pragmática: a Justiça Federal já possui infraestrutura consolidada, além de experiência em matéria tributária complexa. Por outro lado, a criação de uma nova instância híbrida é vista como um desafio administrativo intransponível, sobretudo diante de restrições orçamentárias que limitam a expansão do Judiciário.
Soluções propostas pelo STJ
O relatório apresenta medidas estruturantes que visam mitigar o colapso do sistema:
- Justiça Federal como foro competente para julgar tanto CBS quanto IBS, com o objetivo de uniformizar a jurisprudência e racionalizar a tramitação;
- Definição de alçadas mínimas para ajuizamento de execuções fiscais, a fim de concentrar os litígios em processos de maior relevância e evitar duplicidade de cobranças;
- Exigência de prévio esgotamento da via administrativa como condição para o ajuizamento de ações sobre os novos tributos;
- Unificação processual de execuções fiscais relativas a um mesmo fato gerador, com um único ente federativo representando os demais, por meio de mecanismos de cooperação institucional;
- Fortalecimento dos órgãos administrativos de julgamento (como os futuros tribunais administrativos do IBS e da CBS), como forma de conter a judicialização em massa.
Implicações práticas para empresas e contribuintes
Embora a proposta da reforma preveja uma simplificação do sistema tributário no longo prazo, o relatório do STJ evidencia que, no curto e médio prazos, é esperada uma elevação significativa da insegurança jurídica, especialmente:
- Na fase de transição entre os regimes (de 2026 a 2032);
- Durante a construção da jurisprudência administrativa e judicial sobre o novo sistema;
- Diante da ausência de uma estrutura contenciosa definida de forma clara e coordenada entre os entes federativos.
Empresas que atuam em operações interestaduais ou intermunicipais, e aquelas com modelos de negócio digital, de múltiplas jurisdições ou com apuração complexa de tributos, tendem a ser mais impactadas pela sobreposição de competências e potenciais conflitos de interpretação entre entes federativos.
A visão do setor privado e os riscos institucionais
A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) destaca que o desenho atual da reforma padece de lacunas estruturais importantes.
A ausência de definição clara sobre o foro competente pode levar a um congestionamento inédito da Justiça Federal, sobretudo porque, sendo os tributos CBS e IBS estruturalmente idênticos, será difícil dissociar o interesse da União nas causas relativas ao IBS — o que, de acordo com a Súmula 150 do STJ, atrai automaticamente a competência federal.
Além disso, a proposta de retirar a competência dos juízes estaduais pode gerar resistência política, dificultando a aprovação de reformas estruturais no Judiciário.
Considerações finais
Diante desse cenário, é fundamental que as empresas: (a) mapeiem os riscos tributários decorrentes da transição e das incertezas jurisdicionais; (b) revisem políticas de compliance fiscal, contratos e estruturas operacionais à luz dos novos tributos; (c) acompanhem de forma estratégica a tramitação dos projetos de regulamentação e participem das consultas públicas em curso e (d) estejam preparadas para atuar de forma preventiva e coordenada no contencioso administrativo e judicial, com análise técnica e estratégia integrada.
Em caso de dúvidas ou para avaliação personalizada sobre o impacto dessa discussão em sua instituição, nossa equipe está à disposição.
MOLINA ADVOGADOS