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No artigo anteriormente publicado no blog, “ISS x ICMS: O MERCADO DE STREAMING NA MIRA DO FISCO”, já fizemos uma introdução que envolve algumas das polêmicas a respeito da tributação dos softwares – clique aqui e veja o artigo. Hoje abordaremos as questões atuais que envolvem a tributação dos softwares, após a superação da definição de “software de prateleira x software por encomenda”.
Conforme havíamos adiantado, em outubro de 2017, o CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, publicou o Convênio ICMS 106/2017, disciplinando os procedimentos de cobrança do ICMS incidente nas operações com bens e mercadorias digitais comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados, o qual começou a produzir efeitos a partir de 1º de abril de 2018, acarretando inúmeros questionamentos e, consequentemente, incertezas jurídicas.
A questão controvertida já é de conhecimento de grande parte desse segmento empresarial, uma vez que impacta diretamente suas operações, pois tal situação gera a dúvida (sempre polêmica) da necessidade de definir qual imposto recolher para os cofres públicos: O ICMS, para o Estado, ou o ISS, para o Munícipio.
Nesse sentido, a despeito do STF ter julgado, no ano de 1998, o RE 176.626-3 e firmado o entendimento no sentido de que incide o ISS para os softwares desenvolvidos “por encomenda” e que para os “softwares de prateleira” incide o ICMS, sob o fundamento de que se materializa o corpus mechanicum da criação intelectual do programa e que são produzidos sem qualquer grau de customização e comercializados no varejo (e, portanto, constituem-se em mercadorias), é notório que, com a evolução da tecnologia, se faz necessário que o entendimento outrora firmado pelo STF se adeque à realidade atual.
Noutros dizeres, a evolução da tecnologia trouxe incontáveis novidades e, consequentemente, os antigos modelos de negócios e operações transmutaram-se, resultando, assim, no surgimento do desafio que atualmente a área tributária enfrenta, considerando-se que está cada vez mais difícil enquadrar algumas atividades/operações aos conceitos tradicionais do ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, questões como a definição da natureza jurídica, fato gerador, hipótese de incidência, base de cálculo e competência tributária, já são objeto de constantes debates, uma vez que, conforme mencionamos, se faz necessária a adequação do sistema tributário às céleres evoluções tecnológicas e suas respectivas formas de negociações comerciais e econômicas.
Portanto, denota-se que o imbróglio gira em torno da ânsia arrecadatória dos Estados, os quais, através de Decretos e Convênios, tentam desesperadamente legitimar a incidência do ICMS nessas operações, sob o entendimento de que a cessão e/ou licenciamento de software equipara-se à venda de mercadorias, sendo, portanto, pretensamente aplicado o entendimento que restou definido pelo STF no julgamento do RE 176.626-3. No entanto, em sentido diametralmente oposto ao que alegam os Estados, os Municípios defendem que as atividades de cessão ou licenciamento de software consistem na prestação de uma utilidade imaterial a terceiros, classificadas na definição de serviços de qualquer natureza do artigo 156, III da CF e dos itens 1.03, 1.04, 1.05 e 1.09 da Lei Complementar nº 116/2003.
Denota-se, assim, a imprescindibilidade de que o STF defina, sob a ótica atual, se as operações com bens digitais são classificadas em “mercadorias” ou “prestação de serviço”, restando definido, também, se houve (ou não) a invasão de competência tributária municipal por parte dos Estados.
O CONVÊNIO ICMS 106/2017 E A AÇÃO DIRETA DE INSCONTITUCIONALIDADE Nº 5.958
Após a publicação do Convênio ICMS 106/2017 que, como já mencionado, apresentou procedimentos para a exigência do ICMS incidente sobre operações que envolvem a comercialização de softwares mediante transferência eletrônica de dados, inúmeros contribuintes ajuizaram diversas ações perante o Poder Judiciário, objetivando, em síntese, a suspensão dos efeitos do referido Convênio.
Cita-se, por exemplo, o acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 2065250-19.2018.8.26.000, interposto pelo Sindicato das Empresas de Processamento de Dados e Serviços de Informática do Estado de São Paulo (SEPROSP), no qual a Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao recurso, de modo a determinar a suspensão da exigibilidade dos valores relativos ao ICMS incidente sobre as operações com softwares realizadas por transferência eletrônica de dados, com base no Decreto Estadual nº 63.099/2017, que observou as disposições do Convênio ICMS 106/2017.
No mesmo sentido e evidenciando, ainda mais, todas as polêmicas que envolvem a matéria em questão, a BRASSCOM (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), ajuizou, em 11/06/2018, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.958 objetivando que seja declarada (i) a inconstitucionalidade do Convênio ICMS 106/2017 e (ii) a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 2º, inciso I da Lei Complementar nº 87/96, para que seja afastada qualquer possibilidade de incidência do ICMS sobre operações com software e afins, tais como programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos, conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto e congêneres.
No dia 25/06/2018, foi disponibilizado o despacho proferido pelo Ministro Dias Toffoli, Relator da ADIn, que, considerando a relevância da matéria, determinou a aplicação do procedimento abreviado previsto no artigo 12 da Lei nº 9.868/99, para que a decisão seja tomada em caráter definitivo, determinando, também, a intimação do Ministro de Estado da Fazenda e dos Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal para prestarem as informações necessárias.
Dessa forma, os Secretários apresentaram suas informações e, resumida e basicamente, defenderam a constitucionalidade do Convênio ICMS 106/2017, uma vez que haveria respalda na Lei Complementar 87/96, a qual permite a exigência do ICMS nas operações com bens e mercadorias digitais.
Apenas para melhor elucidarmos a questão, as informações prestadas pelo Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo podem ser sintetizadas a partir dos trechos a seguir: “A distinção entre mercadoria e serviço não se situa, por óbvio, na apuração sobre o caráter corpóreo ou não da riqueza transmitida (…). Noutros termos, constituiria equívoco flagrante considerar que mercadorias seriam apenas os bens palpáveis, corpóreos, tangíveis, como se o discrímen entre os conceitos se situasse no plano da física (…). No tocante aos programas de computador, mesmo quando prevalecia essa posição, já era pacífica na jurisprudência a existência de 2 tipos de software: os softwares desenvolvidos sob encomenda, em relação aos quais havia preponderância de serviços, já que eles eram produzidos especialmente para o consumidor; e os softwares de prateleira, que, uma vez desenvolvidos, tinham suas cópias vendidas em larga escala, com pouca ou nenhuma adaptação ao consumidor que os adquiria (…). Atualmente, os softwares de prateleira, cujas cópias eram comercializadas em larga escala em meios físicos, hoje são comercializados em meio digital, por meio de transferência eletrônica de dados. Essa alteração, no entanto, não tem o condão de descaracterizar o software de prateleira como mercadoria. Ao contrário, tendo sido definido que o software de prateleira é um bem passível de comercialização, o meio utilizado para sua comercialização, se físico ou digital, é irrelevante para fins tributários (…). Assim, a circunstância de o adquirente da licença, por exemplo, instalar o software de prateleira em sua máquina por meio de internet, em vez de utilizar o meio físico, não descaracteriza a natureza jurídica do contrato como comercialização de software de prateleira”.
Atualmente, a mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade ainda está pendente de julgamento, merecendo destaque, outrossim, as ADI’s nº 1945 e nº ADI 5576, as quais também estão pendentes de julgamento.
Considerações finais
Considerando-se todas as polêmicas que envolvem a matéria em questão, pode-se verificar que há entendimentos em ambos os sentidos, sendo, portanto, fundamental que a Suprema Corte analise os novos aspectos e modelos de negócios advindos com a evolução da tecnologia, de modo que se defina a operação em questão, afastando-se, assim, as inseguranças jurídicas advindas após a superação da definição de “software de prateleira x software por encomenda”.
Equipe Tributária do Molina Advogados