STF INICIA JULGAMENTO SOBRE A LEGITIMIDADE DA COBRANÇA DO ITCMD EM TRANSFERÊNCIAS DE BENS NO EXTERIOR

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No último dia 23 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento virtual do Recurso Extraordinário nº 851.108 (Tema 825 da Repercussão Geral), que trata da possibilidade dos Estados criarem suas próprias leis para viabilizar a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) nas hipóteses em que o doador estiver domiciliado no exterior e nos casos em que o de cujus for residente ou tiver seu inventário processado fora do Brasil.

O julgamento ainda não foi encerrado, mas neste artigo você pode acompanhar os detalhes do voto do Relator.

Matéria envolvida no julgamento

A demanda judicial originou-se com um mandado de segurança repressivo, impetrado por contribuinte paulista que pretendia ver reconhecida a inexigibilidade do ITCMD cobrado pelo Estado de São Paulo, com base no artigo 4º, inciso II, alínea “b” da Lei Estadual nº 10.705/00 , sobre as doações testamentárias de bens localizados na Itália, recebidos de doador italiano.

Em sua petição inicial, a autora explicou que nessas situações, de acordo com a Constituição Federal , cabe à Lei Complementar Nacional regulamentar a instituição do imposto.

Nesse sentido, importante pontuar que referido ato normativo ainda não foi promulgado pelo Congresso Nacional. Assim, diante da inexistência de Lei Complementar sobre o tema, diversas unidades federativas entendem, de forma equivocada e com base no artigo 24, inciso I, parágrafo 3º da Carta Magna e no artigo 34, parágrafo 3º do ADCT , estar autorizadas a exercerem sua competência plena, editando suas respectivas leis para possibilitar a arrecadação do imposto.

A sentença proferida no processo em 2012 concedeu a segurança pleiteada, julgando procedente a ação mandamental e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a decisão de primeira instância , o que ensejou a interposição do Recurso Extraordinário nº 851.108 pelo Estado.

Voto do Relator

O Relator do caso, Ministro Dias Toffoli, esclareceu durante o julgamento que a Constituição Federal não atribuiu aos Estados a competência para instituir o ITCMD na “transmissão de bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos localizados no exterior, bem como de doador ou de de cujus domiciliados ou residentes fora do país, no caso de inventário processado no exterior”.

De acordo com ele, em razão do elemento da extraterritorialidade, o constituinte exigiu do Congresso Nacional um maior debate político sobre o tema para evitar eventual bitributação. Por isso, os estados não possuem competência tributária para suprir a ausência da lei complementar.

Portanto, com base no entendimento do Ministro, todas as leis estaduais que dispõem sobre a incidência do tributo nessas circunstâncias são consideradas inconstitucionais, o que torna ilegítima a tributação do ITCMD. Como exemplo, podemos citar, além da legislação paulista, leis dos estados do Rio de Janeiro , Minas Gerais e Distrito Federal.

Por fim, propôs a seguinte tese “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a intervenção da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional.”

Modulação de efeitos

Não obstante a coerência do posicionamento do Relator no que tange a necessidade de promulgação da Lei Complementar, o Ministro sugeriu a modulação dos efeitos da decisão, alegando prejuízo ao erário. Com isso, o julgamento afetaria somente os fatos geradores futuros, ou seja, os que ocorrerem da publicação do acórdão do STF em diante.

Neste ponto, o voto de Dias Toffoli causa preocupação, já que, se for acompanhado pela maioria de dois terços dos Ministros da Suprema Corte, acabará prejudicando o direito líquido e certo dos contribuintes de serem ressarcidos dos valores já recolhidos aos cofres públicos estaduais.

Apesar da legislação federal permitir que o Supremo Tribunal Federal limite o alcance de suas decisões em razão da segurança jurídica ou de excepcional interesse social, não nos parece razoável impedir a restituição de um tributo pago e flagrantemente inconstitucional, sob o pretexto de que haverá um negativo impacto orçamentário para os estados.

Considerações Finais

A previsão era que o caso fosse apreciado por todos os Ministros até a última terça-feira, dia 03 de novembro. Contudo, o Ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo, suspendendo a conclusão do julgamento.

Resta agora aguardar o posicionamento final da Corte Suprema e torcer para que, além de favorecer os contribuintes, a decisão prevaleça para todos os fatos geradores do imposto, de modo que não fiquem prejudicados aqueles que já efetuaram o recolhimento do tributo.

¹ Artigo 4º – O imposto é devido nas hipóteses abaixo especificadas, sempre que o doador residir ou tiver domicílio no exterior, e, no caso de morte, se o “de cujus” possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país:
(…)
II – sendo incorpóreo o bem transmitido:
(…)
b) quando o ato referido na alínea anterior ocorrer no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado.
² Artigo 155, inciso III, alínea “b”.
³ Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
4 Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.
(…)
§ 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.
5 Mandado de Segurança nº 0020249-90.2011.8.26.0032, julgado em 29/03/2012, Juiz de Direito João Roberto Casali da Silva.
6 TJSP – Apelação Cível nº 0020249-90.2011.8.26.0032, julgado em 12/11/2012, Relator Evaristo dos Santos.
7 Lei nº 7.174/2015, artigo 5º, inciso II, alíneas “b” e “d”.
8 Lei nº 14.941/2003, artigo 1º, parágrafo 2º, inciso IV.
9 Lei nº 3.804/2006, artigo 2º, parágrafo 3º, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c” e inciso II, alíneas “b” e “c”.

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