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Já sabemos que as operações de licenciamento ou cessão de direito de uso de software, seja ele de prateleira ou sob encomenda, devem ser tributadas pelo Imposto Sobre Serviços (ISS), tal como decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.945 e 5.659. Esse tema, aliás, foi tratado num artigo nosso, publicado em março de 2021. Se você ainda não teve a oportunidade de ler, clique aqui.
Em que pese o entendimento sedimentado pela Suprema Corte, curiosamente, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, com sua ânsia arrecadatória, publicou no início de fevereiro desse ano a Resposta à Consulta Tributária nº 24762/2021, por meio da qual exigiu de uma empresa mineira o ICMS sobre as operações envolvendo software, quando vendido em conjunto com o equipamento hardware.
Se você se interessou pelo tema, acompanhe o nosso artigo até o final para entender os detalhes desse posicionamento, no mínimo, contraditório, do Estado de São Paulo.
Resposta à Consulta Tributária nº 24762/2021
No caso em questão, a Consulente explica que firmou contrato com um cliente sediado no Estado de São Paulo para fornecimento de (i) rede local sem fio (WLAN), a qual permite a conexão com a internet utilizando-se de ondas de rádio; (ii) componentes e acessórios necessários; e (iii) serviços de inspeção local, instalação, configuração, treinamento, suporte e garantia.
Além disso, de acordo com a consulta, um dos produtos/serviços oferecidos ao cliente paulista e decorrentes desse contrato é o Ponto de Acesso WIFI, constituído pelo licenciamento de um software e pelo oferecimento do equipamento hardware, suporte material que, geralmente, realiza o processamento dos dados do software, possibilitando a conexão.
Conforme esclarece a Consulente, o Ponto de Acesso WIFI não seria puramente um serviço, mas parte da solução de rede local sem fio (WLAN), composta por uma prestação de serviço (licenciamento de software) e pelo fornecimento/circulação de uma mercadoria (hardware).
Diante de tal situação, a Consulente argumenta que não tem dúvida com relação a incidência do ISS sobre a atividade de licenciamento de software, em razão do posicionamento do STF quando do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.945 e 5.659.
Porém, no que tange a entrega do equipamento (hardware) ao cliente, a empresa alega estar insegura sobre eventual incidência do ICMS, sobretudo porque o seu cliente entende que “o hardware é o meio físico para disponibilizar as funcionalidades da solução, sendo totalmente dependente dos softwares e licenças de uso.” Desta forma, de acordo com o entendimento do cliente, esta prestação de serviços acompanhada do fornecimento de mercadoria não estaria sujeita à incidência do imposto estadual, mas, sim, do ISS.
Em razão disso, a empresa consulente questiona o fisco estadual se o fornecimento do hardware no caso analisado deve ser tratado como venda de mercadoria ao consumidor final, sujeita, portanto, à emissão de nota fiscal de venda com o consequente recolhimento do ICMS ou se deveria ser considerado como mercadoria utilizada na prestação de serviços, tributada apenas pelo ISS.
Posicionamento contraditório da SEFAZ/SP
Ao analisar o questionamento da empresa, o Estado de São Paulo, usando toda a sua perspicácia, explicou que quando o hardware é vendido juntamente com o software, este último passa a ser parte do equipamento comercializado e, por consequência, deveria ser tributado apenas pelo ICMS.
Vale dizer, o “Ponto de Acesso WIFI”, que, repita-se, é composto pelo licenciamento de software e oferecimento do hardware ao cliente, foi enquadrado pelo Estado como uma circulação de mercadoria, motivo pelo qual, de acordo com a SEFAZ/SP, deve ser tributado exclusivamente pelo ICMS, considerando o valor total da operação.
O Estado defendeu que nas situações em que há somente a prestação de serviços de licenciamento de software (sem a comercialização do hardware), aplica-se o entendimento do STF, fazendo incidir o ISS. Porém, desprezou o entendimento da Corte Suprema nas hipóteses em que ambos (software e hardware) são vendidos juntos.
A manifestação do fisco causa estranheza pois, a nosso ver, o software não perde suas características intrínsecas simplesmente porque é vendido juntamente com o hardware.
Como sabemos, o software é um bem incorpóreo que não pode ser considerado como mercadoria. Em razão disso, as operações envolvendo programas de computador, não devem, em hipótese alguma, ser tributadas pelo ICMS.
Solução de Consulta nº 17594/2019
E esse não foi o único posicionamento da SEFAZ/SP desfavorável aos contribuintes e envolvendo o tema.
Na Resposta à Consulta nº 17594/2019, em que se questionou “a natureza fiscal dada a software destinado ao controle das funções de medição de combustíveis e monitoramento ambiental desempenhados pelo sistema MVC – Medidor Volumétrico de Combustíveis”, o Estado também entendeu que nos casos em que o programa de computador é necessariamente vendido com o equipamento, sendo parte integrante do hardware, incide o ICMS sobre o valor total da operação.
No entendimento do órgão estadual, nessas situações, o produto comercializado é único, de modo que a nota fiscal deve ser emitida sem a decomposição da mercadoria em seus componentes hardware e software e, argumentou, ainda, que o preenchimento da descrição dos dados do produto na nota fiscal deve ser realizado apontando somente o hardware.
Considerações finais
Percebe-se que, apesar do entendimento pacificado da Suprema Corte com relação à incidência do ISS sobre as operações de licenciamento ou cessão de direito de uso de software, parece que as discussões envolvendo a matéria ainda estão longe de acabar, já que o Estado busca uma brecha para a cobrança do ICMS.
De toda forma, em caso de autuações, entendemos que existem argumentos e precedentes sólidos que contribuem para a tentativa de afastar o imposto estadual, mesmo nas situações em que há venda em conjunto de software e hardware.