Getting your Trinity Audio player ready...
|
523 segundos
Tempo aproximado de leitura: 20 minutos.
Foi publicada, em setembro deste ano, a Medida Provisória nº 1.137/2022, a qual realizou algumas alterações na legislação tributária com relação aos Fundos de Investimentos em Participações, tratada até então pela Lei nº 11.312/2006. Veja abaixo a problemática de tais alterações, bem como seus reflexos sobre os investimentos estrangeiros.
Sobre os Fundos de Investimentos em Participações
Assim como conceituado pela B3 (Bolsa de Valores), “o Fundo de Investimento em Participações (FIP) é uma comunhão de recursos destinados à aplicação em companhias abertas, fechadas ou sociedades limitadas, em fase de desenvolvimento”[1], compondo assim a indústria de venture capital e private equity. Ainda, “cabe ao administrador constituir o fundo e realizar o processo de captação de recursos junto aos investidores através da venda de cotas”[2].
Tal forma de investimento é de suma importância para o desenvolvimento da economia, não fugindo à regulação pelas leis tributárias, as quais serão nosso foco, principalmente sob um prisma comparativo entre a Lei nº 11.312/2006[3] e a Medida Provisória nº 1.137/2022[4].
Neste sentido, do ponto de vista tributário, os FIP’s podem ser vantajosos para determinados investidores pois, como regra geral, a tributação ocorre na alienação de cotas (cessão, amortização ou resgate), sendo o ganho de capital sujeito à incidência do IRRF (Imposto de Renda Retido na Fonte), estando hoje, à alíquota de 15%.
Não somente por isto, mas os FIP’s possuem benefícios fiscais aos investidores estrangeiros. Isto porque, com o objetivo de atrair recursos externos, o legislador criou um regime específico para investidores não residentes no Brasil que optem por investir no país de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), reduzindo a alíquota do IRRF a 0%.
É necessário, para tanto, que se cumpra com alguns requisitos, trazidos anteriormente pelo artigo 3º, §1º, da Lei nº 11.312/2006: (i) limite máximo de 40% das cotas em FIP que o investidor estrangeiro poderá deter (Teste dos 40%); (ii) limitação da carteira de investimentos do FIP; e (iii) jurisdição do domicílio do investidor estrangeiro.
Ocorre que tais requisitos, hoje, estão sendo objeto de mudanças, que trataremos a seguir, promovidas pela Medida Provisória nº 1.137/2022.
A Medida Provisória nº 1.137/2022
Em setembro deste ano, foi publicada a MP nº 1.137/2022, que passa a ter vigência na data de sua publicação, mas com produção de efeitos a partir de 1⁰ de janeiro de 2023. A medida trouxe, dentre outras, algumas alterações que impactaram nos requisitos inerentes ao gozo do regime especial supracitado, como a extensão da alíquota zero e a revogação do Teste dos 40%.
Tais mudanças servem não somente para os rendimentos em FIP, mas também para os rendimentos pagos aos investidores em Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I). No mais, a MP prevê, também, a extensão dos benefícios fiscais aos Fundos Soberanos, assim entendidos como fundos de investimento dos governos federais, que utilizam parte de suas reservas internacionais para alocação em diferentes ativos financeiros predeterminados.
Segundo a presidência da República, a finalidade de tais mudanças seria “equalizar as alíquotas do imposto com o propósito de ampliar o acesso de empresas brasileiras a capital estrangeiro, aumentando a atratividade de instrumentos de dívida das empresas brasileiras para o investidor estrangeiro“[5]. Assim, eliminando a assimetria existente em relação aos investimentos externos em títulos da dívida pública, já beneficiados com a alíquota zero.
O assunto a ser discorrido neste artigo faz referência à diferenciação da redação entre a Lei e a MP, no que tange aos conceitos, alvo de muita polêmica, relacionados mais especificamente ao RFP (Regime Fiscal Privilegiado) e PTF (País com Tributação favorecida).
Diferenças entre a Lei nº 11.312/2006 e a MP nº 1.137/2022
A Lei nº 11.312/2006 trata da tributação dos investimentos em cota de FIP, tendo como foco a regulamentação do benefício de alíquota zero aos investidores não residentes. Dentre outras providências, previa-se que o regime especial não se aplicaria “aos residentes ou domiciliados em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 20%”, isto é, àqueles residentes em países com tributação favorecida (PTF).
Uma das alterações trazidas pela MP, foi a redação para tratar justamente da vedação à aplicação do regime ao investidor estrangeiro. Aqui, a norma institui que o regime não se aplicará “ao cotista que seja residente ou domiciliado em país com tributação favorecida ou beneficiário de regime fiscal privilegiado, nos termos do disposto nos art. 24 e art. 24-A da Lei nº 9.430, de 1996.”, fugindo à regra somente os Fundos Soberanos, que valerão da alíquota zero ainda que sediados em PTF.
Nota-se que a regra anteriormente previa a vedação ao gozo do regime especial somente aos residentes em PTF, ao passo que a nova regra traz explicitamente em sua redação a vedação ao gozo do regime não somente aos residentes em PTF, como também aos beneficiários de Regime Fiscal Privilegiado (RFP).
A polêmica gira no sentido de que, ao afastar os beneficiários estrangeiros de RFP do regime de alíquota zero em FIP’s, a finalidade deste regime poderá sofrer efeitos reversos e acabar por desestimular o investimento estrangeiro no Brasil, uma vez que o RFP reúne, justamente, investidores incentivados a aplicar recursos em outras jurisdições.
Além disso, entendemos que há falha na redação em decorrência desta promover uma indevida equiparação entre PTF e RFP, tratando-os indistintamente como Paraísos Fiscais, o que vai na contramão da busca pela segurança jurídica e pode incorrer até na confusão de alíquotas, uma vez que estas são diferentes. Países com tributação favorecida (PTF) aplica-se a alíquota majorada (25%), enquanto aqueles de Regime Fiscal Privilegiado (RFP) seguem a regra geral, com alíquota de 15%.
Para deixar mais clara a diferenciação entre PTF e RFP, conceituaremos brevemente ambos os institutos, evidenciando assim o ponto da divergência.
País com Tributação Favorecida e Regime Fiscal Privilegiado
A sigla PTF quer dizer “País com Tributação Favorecida”, e faz referência ao país que não tributa a renda ou a tributa à alíquota máxima inferior a 20%, bem como que não permite o acesso a informações sobre composição societária, titularidade ou identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes[6]. Tais países – comumente chamados de “Paraísos Fiscais” – estão previstos numa lista publicada pela Receita Federal, sendo que todas as remessas enviadas para algum destes, terão tributação, ao sair do Brasil, a uma alíquota majorada de 25%.
Já a sigla RFP quer dizer “Regime Fiscal Privilegiado”, e faz referência à pessoa não residente que não possui sua renda tributada ou a possui à alíquota máxima inferior a 20%, gozando de vantagem fiscal sem comprovar operação efetiva no país e de sigilo quanto à composição societária ou titularidade de bens[7]. Tal instituto não possui alíquota majorada e, portanto, normalmente, são tributadas pelo IRRF seguindo a regra geral, com alíquota de 15%.
Nota-se, portanto, que os institutos se diferem não somente pelo regime tributário, mas também em seus próprios conceitos: enquanto os PTF’s dizem respeito a uma jurisdição, os RFP’s dizem respeito à pessoa, física ou jurídica. Sendo assim, não podem ser confundidos.
Nossas Considerações
Portanto, a MP nº 1.137/2022 introduziu algumas mudanças na Lei nº 11.312/2006, mais precisamente no que tange aos requisitos para gozar de benefício fiscal, neste caso, da alíquota zero do IRRF.
Como vimos, a Medida Provisória ampliou de maneira equivocada as restrições ao referido benefício, já que a Lei previa a vedação apenas aos residentes em Países com Tributação Favorecida (PTF), enquanto a MP deliberou em incluir neste rol, ainda, os beneficiários de Regime Fiscal Privilegiado (RFP).
Desta feita, a exclusão dos beneficiários do RFP ao citado regime de alíquota zero não parece ser a escolha mais acertada. Isto porque tal decisão poderá trazer efeitos reversos e incorrer num cenário de desestímulo aos investimentos estrangeiros.
Da mesma forma, evidenciou-se que PTF e RFP são distintos, e não podem ser confundidos. Quedar pelo entendimento de que ambos os institutos são equivalentes, e ainda, trazer conceitos genéricos ao denominá-los, indistintamente, de “paraísos fiscais”, pode resultar em maior insegurança jurídica, trazendo, novamente, um efeito reverso à finalidade da MP.
É fato que a MP nº 1.137/2022 possui aspectos positivos, sendo uma clara tentativa tanto na criação de “normas antielisivas”, motivada por objetivos legítimos. Entretanto, como vimos acima, as modificações podem ter efeitos distintos para o investimento estrangeiro.
A equipe do Molina Advogados está à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema. Continue nos seguindo e fique por dentro de todas as novidades tributárias.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[1] Disponível em: <https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/fundos-de-investimento-em-participacoes-fip.htm> Acesso em: 29 nov, 2022.
[2] Disponível em: <https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/fundos-de-investimento-em-participacoes-fip.htm> Acesso em: 29 nov, 2022.
[3] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11312.htm> Acesso em: 29 nov, 2022.
[4] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/mpv/mpv1137.htm#:~:text=MEDIDA%20PROVIS%C3%93RIA%20N%C2%BA%201.137%2C%20DE%2021%20DE%20SETEMBRO%20DE%202022&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%2011.312,exterior%20nas%20opera%C3%A7%C3%B5es%20que%20especifica> Acesso em: 29 nov, 2022.
[5] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/909759-medida-provisoria-preve-isencao-fiscal-nos-lucros-das-aplicacoes-dos-estrangeiros-em-titulos-privados/> Acesso em 5 dez, 2022.
[6] Disponível em: < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=16002> Acesso em 6 dez, 2022.
[7] Disponível em: < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=16002> Acesso em 6 dez, 2022.