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O DEVER SOCIETÁRIO DE LEALDADE

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Dentre os princípios jurídicos que regem e norteiam as sociedades, talvez os mais conhecidos sejam (a) o princípio da liberdade de associação; (b) o princípio da liberdade de iniciativa; (c) a liberdade de competição; e (d) a função social da empresa, os quais estão positivados na legislação societária, sendo, portanto, princípios explícitos.

Entretanto, considerando a natureza plurilateral da relação jurídica que permeia a interação dos indivíduos que fazem parte de uma sociedade empresária, seja dos sócios entre si, seja relativamente à própria sociedade, trazemos à discussão a relevância do princípio da unidade ou coordenação. Como explica Adamek, o princípio da unidade ou coordenação sinaliza a necessária conexão ético-jurídica entre poder e responsabilidade através da ideia de que não pode haver “nenhuma responsabilidade sem poder” e “nenhum poder sem responsabilidade”¹.

Adicionalmente, relevante apontar o princípio da boa-fé objetiva, o qual atua como limitador do exercício dos poderes privados, e é um importante mecanismo balizador para verificação de abuso por parte dos sócios. As legislações cível e societária preveem a prática da boa-fé em diversas situações as quais podem ser aplicáveis às relações comerciais e societárias, motivo pelo qual a boa-fé age como cláusula geral em todo o ordenamento jurídico.

As ideias preconizadas por tais princípios não devem ser confundidas com o dever de satisfazer o interesse alheio, uma vez que correspondem ao dever de perseguir, com boa-fé e conforme a relação de poderes e deveres estabelecidos pela legislação e pelas regras de governança da sociedade, o interesse social comum. O dever de lealdade, não obstante não estar positivado na legislação societária, decorre do princípio de cooperação e da boa-fé objetiva entre as partes.

Em vista da mencionada relação entre poder e responsabilidade, o dever de lealdade impõe que todos os sócios profiram seus votos e pratiquem atos sociais sempre no interesse da sociedade, colaborando para a persecução do objeto social e o sucesso do negócio. Por este conceito, qualquer ato que fuja a essa prerrogativa, isto é, que seja exercido de maneira desleal, é realizado de forma abusiva.

O dever de lealdade aplicado ao direito societário compreende os componentes ativos e passivos (atitudes e omissão) da posição do acionista, ou seu status socii. A lealdade que resulta do princípio da boa-fé se baseia na verificação de um comportamento individual da pessoa do sócio no contexto da relação societária, o qual deve ser probo, honesto e leal.

Nas palavras de Adamek:

“Com efeito, a cláusula geral de boa-fé objetiva aplicada à órbita societária – que nada mais é do que o dever de lealdade – tem maior incidência que a teoria do excesso de poder, pois não apenas permite equacionar os conflitos de interesses entre sócio e sociedade, mas, sobretudo, equacionar também os conflitos dos sócios entre si. Além disso, a boa-fé contratual não se restringe ao direito de voto, porquanto abrange o exercício de todas as posições jurídicas subjetivas ativas, da maioria ou da minoria, tanto faz, o que bem demonstra a sua superioridade dogmática.”

Por certo, podemos verificar que é vedado aos sócios, no exercício de seus direitos, realizar atos que se contraponham aos interesses da sociedade. A lei atribui aos acionistas os deveres de realização do capital social e o exercício regular do direito de voto, ou seja, sem abuso de direito e de poder.

O dever de lealdade possui um viés de colaboração ativa do sócio para a sociedade e sua relação com os demais sócios e administradores, bem como deve ser entendido como o dever de abster-se de realizar quaisquer atos que possam afetar negativamente a referida colaboração em detrimento da sociedade e os sócios, tais como, exemplificativamente, desautorizar atos da gerência ou concorrer com a sociedade.

Destarte, verificamos que o dever societário de lealdade pauta e influencia todas as relações jurídicas societárias, seja nas fases pré ou pós contratual tratando-se, portanto, de uma cláusula geral, uma vez que alcança todas as condutas realizadas pelos sócios dentro de uma relação societária.  Referido princípio não oferece uma norma diretamente aplicável, mas deve ser verificado nas situações fáticas como meio de buscar a resolução de conflitos societários sem resposta específica prevista na lei ou no contrato social. Assim, esse dever funciona como limitador ao exercício de posições jurídicas subjetivas e como instrumento de interpretação do contrato social.

¹  ADAMEK, Marcelo Vieira von. Abuso de minoria em direito societário. São Paulo: Malheiros, 2014, ps. 41 e 42.

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