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O artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional[1], traz a obrigação solidária entre as pessoas que possuem interesse comum na situação que constitua o fato gerador do tributo. Embora da leitura do dispositivo seja possível extrair certa clareza nas hipóteses de aplicação prática, sua utilização pelo fisco tem gerado muita divergência doutrinária e jurisprudencial.
Órgãos fiscais estão aplicando o artigo para responsabilizar terceiros, como sócios e administradores, em contrapartida, o entendimento doutrinário tradicional aponta que o dispositivo não teria a finalidade de trazer um novo responsável à relação jurídico-tributária.
Gostaria de entender mais sobre o tema? Confira o artigo que preparamos abaixo explicando os fundamentos do debate.
O Código Tributário Nacional e a Responsabilidade Solidária
A solidariedade tratada pelo instituto da responsabilidade jurídica significa, basicamente, a “ausência do benefício de ordem”, sendo os sujeitos passivos indistintamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação jurídica, em que o eventual pagamento de um aproveita os demais e, da mesma forma, eventual isenção ou remissão aproveita os solidários, observadas as excepcionalidades trazidas pela lei.
No âmbito tributário, a solidariedade trazida pelo artigo 124 do Código Tributário Nacional prevê, em seu inciso I, que são solidariamente obrigadas “as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal”.
De tal dispositivo se extrai o entendimento de que há a atribuição de solidariedade entre os sujeitos passivos que praticam em conjunto o fato gerador, figurando no mesmo polo da relação jurídica. A exemplo disto, temos a hipótese em que duas pessoas são coproprietárias de um imóvel, havendo responsabilidade solidária entre ambas no que se refere ao ITR ou IPTU, uma vez que ambas praticam o fato gerador.
Ocorre que o entendimento extraído do inciso I do artigo 124 não para por aí. Órgãos fiscais, em sede de fiscalizações e execuções, vêm estendendo a aplicação do dispositivo a terceiros, responsabilizando sócios e administradores de fato e grupos econômicos. Mas com que fundamento?
Responsabilidade por Interesse Comum
O termo “interesse comum” trazido pelo dispositivo é a base argumentativa utilizada pelos entes fiscais para a ampliação do entendimento. Isso porque, nas autuações, passou a corresponder a interesse econômico, benefício econômico decorrente da infração, conluio etc.
O entendimento tido por tais entes gerou muita controvérsia, uma vez que a doutrina tradicional não indica a norma em questão como típica para a responsabilização de sócios e administradores, tampouco de grupos econômicos, assim como exposto por Aliomar Baleeiro (2002)[2], o qual pontuou que “a solidariedade não é forma de inclusão de um terceiro no polo passivo da obrigação tributária, apenas forma de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos passivos que já compõem o polo passivo”.
Sendo assim, segundo o entendimento tradicional, o vocábulo “interesse comum” faria menção àqueles sujeitos que são comuns à situação que origina o fato gerador e, portanto, já figuram no polo passivo da obrigação tributária.
Portanto, entende-se que o dispositivo não traz hipótese autônoma de responsabilidade, mas tão somente disposição que prevê uma solidariedade entre sujeitos passivos, ou seja, o artigo não é suficiente para atribuir responsabilidade a um terceiro que não tem relação com o fato gerador.
Posicionamentos sobre o tema
Há julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que pontuam que o inciso I do artigo 124 do CTN “determina a solidariedade quando os sujeitos estão na mesma relação obrigacional. Deve ocorrer interesse comum das pessoas que participam da situação que origina o fato gerador. Consequentemente, passam à condição de devedores solidários”[3].
Da mesma forma, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) já entendeu que a norma “não tem o condão de incluir um terceiro no polo passivo da obrigação tributária, mas apenas de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já o compõem”[4].
A Receita Federal do Brasil, por meio do Parecer Normativo COSIT/ RFB nº 04/2018[5], admitiu a aplicação do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional, tanto para “ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou”, com a ressalva de que, para tanto, seria necessário “comprovar o nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo”.
Por outro lado, no Parecer reconheceu-se que o mero interesse econômico não leva à responsabilização tributária e, portanto, a simples constatação de grupo econômico não é suficiente para a responsabilização.
Da mesma forma entendeu, também, o Superior Tribunal de Justiça, o qual pontuou que “é aplicável a responsabilidade solidária do art. 124 do CTN quando há comprovação de práticas comuns, prática conjunta do fato gerador ou, ainda, quando há confusão patrimonial”[6].
Portanto, percebe-se que há certa insegurança jurídica referente à aplicação do artigo 124, inciso I do Código Tributário Nacional, uma vez que o tema segue controverso tanto no âmbito administrativo, quanto judicial. Os entendimentos mais recentes, entretanto, indicam que, observados alguns requisitos, a norma é sim suficiente para trazer novos responsáveis à obrigação tributária.
Nossas considerações
Como vimos acima, de acordo com a doutrina tradicional, a norma em questão não teria a finalidade de tipificar a responsabilização de sócios e administradores, tampouco de grupos econômicos, uma vez que a interpretação correta sobre o vocábulo “interesse comum” seria, tão somente, a participação da situação que origina o fato gerador.
Tal entendimento parece ser o mais acertado, uma vez que a norma positivada estabelece que deve haver interesse comum na situação que constitua o fato gerador, ou seja, deverá haver relação entre sujeito e fato gerador.
Todavia, assim como pontuado, o tema carece de decisões mais uniformizadas, a fim de trazer mais segurança jurídica aos contribuintes.
Diante deste cenário, destaca-se a necessidade de uma análise detalhada à luz das decisões administrativas e judiciais apresentadas ao longo deste artigo a fim de avaliar os riscos envolvendo determinadas operações ou situações no que tange à responsabilização de sócios e administradores, bem como de empresas do mesmo grupo econômico, com o intuito de ponderá-los e antecipá-los.
A equipe do Molina Advogados está à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema. Continue nos seguindo e fique por dentro de todas as novidades tributárias.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[1] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm> Acesso em 12 mai, 2023.
[2] BALEEIRO, A. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
[3] STJ. AgRg nos EDcl no Recurso Especial nº 375.769, de relatoria do Ministro Humberto Martins, julgado em 04/12/2007; Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200700979326&dt_publicacao=30/09/2009> Acesso em 15 mai, 2023.
[4] CARF. Acórdão nº 1402-002.203, de relatoria de LEONARDO DE ANDRADE COUTO, sessão de 07/06/2016; Disponível em: <https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf?idAcordao=6441237> Acesso em 15 mai, 2023.
[5] RFB. Parecer Normativo COSIT nº 4, de 10 de dezembro de 2018; Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=97210&visao=compilado> Acesso em 15 mai, 2023.
[6] STJ. AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.540.683 – PE (2015/0156021-8), de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, julgado em 21/03/2019; Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201501560218&dt_publicacao=02/04/2019> Acesso em 15 mai, 2023.