(11) 3151-3606 | contato@molina.adv.br

Nova possível perspectiva: STJ reanalisará a liquidação antecipada de seguro garantia

Getting your Trinity Audio player ready...
Compartilhe

635 segundos

Desde junho deste ano, em virtude de decisão unânime, proferida pela 2ª Turma de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), nos autos do REsp nº 1.996.660/RS, a qual reconheceu a possibilidade de liquidação do seguro garantia antes do fim (trânsito em julgado) dos Embargos à Execução Fiscal, muito se tem falado sobre o tema, assim como diversas considerações e preocupações têm sido levantadas.

No intuito de sanar este equívoco, que fere a Constituição Federal e a legislação infra, a Lei nº 14.689/2023, conhecida como “Lei do CARF”, havia incluído, no texto legal, a proibição da liquidação antecipada. O texto previa que a fiança bancária ou o seguro garantia somente poderiam ser liquidados após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte. Em outras palavras, quando não houvesse mais recurso cabível. Todavia, esta inclusão foi vetada pelo Presidente da República.

Ocorre que os ministros da 1ª Turma do “STJ” voltaram a analisar o tema no fim de setembro, logo após a publicação do veto. O então ministro relator, Sérgio Kukina, votou para aplicar o entendimento pacífico da 1ª e da 2ª Turmas, favorável ao Fisco. Contudo, de forma ponderada e coerente, o ministro Gurgel de Faria pediu vista, aduzindo que pretende revisar o tema, sendo certo que tal atitude foi enaltecida pela ministra Regina Helena Costa.

Assim, nota-se que o “STJ” se debruçará novamente sobre o assunto, sob nova perspectiva. Confira abaixo, com detalhes, a origem, a evolução do assunto, o veto presidencial, a sinalização pelo “STJ” de possível revisão de entendimento, bem como as consequências caso a posição atual do “STJ” não seja reformada.

Origem: segurança jurídica e previsibilidade nas relações tributárias

Desde a sua formação, o Estado Democrático de Direito tem por objetivo assegurar e prover aos seus cidadãos a efetiva garantia dos direitos fundamentais, impondo limites ao Poder Estatal de forma a garantir a segurança jurídica nas relações entre os indivíduos.

Nesse contexto, Carlos Ari Sundfeld esclarece que o Estado Democrático de Direito contempla a interligação de constitucionalismo, República, participação popular direta, separação dos poderes, legalidade, direitos individuais e políticos[1], evidenciando, portanto, a supremacia da Constituição Federal, a necessidade da tripartição dos Poderes, a superioridade da lei e a garantia dos direitos individuais.

Em razão da necessidade de maior desenvolvimento e proteção à garantia dos direitos individuais, nasce o Estado Social e Democrático de Direito, cujo regime vivemos atualmente, sendo certo que, nesta forma de governo, o Estado possui, além dos deveres supracitados, a obrigação de atuar positivamente para gerar desenvolvimento e justiça social.

Como instrumento deste desenvolvimento, nos deparamos com o princípio da segurança jurídica, corolário do Estado Democrático de Direito, conquistado por meio de lutas contra o poder ilimitado do Estado, princípio que assegura a previsibilidade da ação estatal, bem como permite aos cidadãos a respectiva organização de acordo com as leis vigentes.

Em outras palavras, o princípio da segurança jurídica é de suma importância, haja vista seu papel de assegurar a estabilidade na relação jurídica tributária. Nota-se que contempla princípio amplo, sendo norma jurídica que determina a adoção de comportamentos que provoquem efeitos que contribuam para garantir a promoção de um estado de confiabilidade do Direito.

Percebe-se que a segurança jurídica está relacionada com o princípio da confiança da lei tributária. Os contribuintes possuem o direito de ter assegurado o cumprimento imparcial e não discriminatório das leis. O Estado possui o dever de ser coerente e não prejudicar seus contribuintes.

Em virtude da forma de organização de nosso Estado, bem como dada a necessária observância ao princípio da segurança jurídica, surgem os processos tributários administrativo e judicial como ferramentas de participação dos contribuintes na fiscalização das atividades estatais, circunstância que possibilitará aos indivíduos a efetiva atuação no controle social para resolução de conflitos na esfera tributária, sendo garantido o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Logo, é possível perceber que, no que tange à liquidação antecipada de garantia, o Estado está violando frontalmente o quanto assegurado no artigo 32, §2º, da Lei de Execução Fiscal e, por consequência, desrespeitando o princípio da segurança jurídica, na medida em que o Poder Judiciário não está julgando de forma imparcial, de modo a atender apenas os interesses arrecadatórios do Fisco.

Além disso, os mecanismos de defesa dos contribuintes – processo tributário – igualmente está sendo violado, vez que as medidas judiciais e ferramentas para viabilizar os direitos dos contribuintes estão sendo, indevidamente, refutados pelo Poder Judiciário, cerceando o direito de defesa dos contribuintes para amparar atos e manobras do Fisco, que ferem os princípios constitucionais ora mencionados, os quais almejam apenas a arrecadação – o que vai, de forma diametralmente oposta, a um dos deveres estatais: garantir a justiça social.

Problemática envolvida e entendimento do “STJ”

No meio do ano, foi proferida decisão unânime pela 2ª Turma de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), REsp nº 1.996.660/RS, acompanhada de novas diversas decisões no mesmo sentido, as quais possibilitaram e legitimaram a liquidação antecipada do seguro garantia. Tais decisões consolidaram entendimento desfavorável aos contribuintes.

O REsp nº 1.996.660/RS mencionado acima contempla recurso interposto por empresa, líder no mercado de aços no Brasil, contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a qual determinou a execução antecipada do seguro garantia e, por consequência, impôs à empresa o depósito judicial do valor do débito discutido.

Ocorre que esta decisão, e as demais proferidas no mesmo sentido, vão contra tanto a legislação ordinária quanto à Constituição Federal, o que causou alvoroço entre os contribuintes, visto que, na prática, inviabilizam a defesa após o proferimento de sentença denegatória em sede de Embargos à Execução Fiscal – culminando na exigência de realização de depósito judicial.

Vale pontuar que a Lei Complementar nº 151/2015 autorizou os Estados e Municípios a utilizarem até 70% do valor atualizado dos depósitos referentes aos processos judiciais e administrativos em que figurem como parte. Sem embargo, a validade dessa norma está sob análise do Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5361.

Almejando encerrar esta discussão, brilhantemente foi incluído artigo na Lei nº 14.689/2023 “Lei do CARF” proibindo a liquidação antecipada. Entretanto, houve veto presidencial, o qual foi justificado, de forma totalmente contraditória, com a alegação de suposta violação ao interesse público: “(…) a impossibilidade de execução imediata dessas espécies de garantia fragilizaria o processo de cobrança, indo de encontro à jurisprudência nacional.”.

Ocorre que, ao vetar tal dispositivo, o novo governo violou diversos preceitos e princípios constitucionais fundamentais que norteiam e dão base ao nosso ordenamento jurídico – consoante mencionado acima, não podendo – sob real justificativa puramente arrecadatória – desrespeitar o quanto garantido na Lei de Execuções Fiscais e na Lei Maior. Tal veto reflete desrespeito à previsibilidade, à estabilidade e à segurança jurídica.

Logo após a publicação do veto, os ministros da 1ª Turma do “STJ” voltaram a analisar o tema. Sérgio Kukina, ministro relator, votou para aplicar o entendimento pacífico da 1ª e da 2ª Turmas, favorável ao Fisco. Todavia, o ministro Gurgel de Faria pediu vista para revisar o assunto, sob o fundamento de que as empresas estão passando por momentos desafiadores e que os débitos (de altos valores) são garantidos por instituições bancárias sólidas.

Os demais integrantes do colegiado igualmente se manifestaram no sentido de repensar o entendimento do órgão, inclusive o próprio relator, demonstrando que o Tribunal está, realmente, disposto a reanalisar o tema.

De fato, a revisão deste posicionamento é imprescindível, dado que a discussão sobre a liquidação antecipada de garantia impacta fortemente os contribuintes por envolver valores elevados, além de que, na prática, a ordem de liquidação implica no desembolso de valores por parte das empresas. Isso porque a contragarantia exige o ressarcimento do valor que a seguradora é obrigada a pagar.

Vale lembrar que a liquidação da garantia implica no sinistro da apólice, o que, por conseguinte, reduz a nota da empresa para avaliação de risco no momento da contratação de novas apólices, o que encarecerá a sua contratação e o valor dos serviços prestados pelas seguradoras, como um todo.

Sob o aspecto processual, a liquidação antecipada obriga aos contribuintes a realização do depósito judicial em dinheiro, nos termos do artigo 151, II, do Código Tributário Nacional para manter a exigibilidade do crédito, e a execução fiscal, suspensa fazendo com que as empresas tenham que retirar esses montantes de seus caixas, o que, em um momento financeiro instável, não é o prudente e recomendado.

Portanto, imperativa a reforma do entendimento atual do “STJ”, visto que não há sentido, seja sob o aspecto: (i) principiológico constitucional, ou (ii) legislativo, ou (iii) processual ou (iv) econômico, antecipar a liquidação da garantia – apenas com o julgamento de primeira instância dos Embargos à Execução Fiscal, uma vez que tal ato implicará na substituição da garantia – de algo que já está devidamente garantido por instituição sólida e por meio de instrumento já equiparado ao dinheiro – por dinheiro, o que onerará não apenas o executado como as seguradoras, já que impactará no valor de seus serviços prestados.

Consequências caso não haja reforma do entendimento do “STJ”

A instabilidade das regras postas e as alterações constantes das leis, atingem a competitividade da economia o que, por conseguinte, deve gerar prejuízos à sociedade como um todo. Neste cenário de incertezas, potenciais investidores buscarão alternativas de investimentos no cenário mundial.

A não observância da legislação e princípios constitucionais impactam a segurança jurídica das relações entre o Estado e os contribuintes, irradiando efeitos negativos para além do sistema jurídico, atingindo aspectos econômicos mediante a perda de credibilidade do ordenamento.

A segurança jurídica impõe a eficácia das normas, ou seja, o ordenamento jurídico deve ser efetivamente respeitado, inexistindo alterações ao arrepio da Constituição. Vê-se assim que a segurança jurídica é fator fundamental para o desenvolvimento econômico e social, e deve ser preservada por todos: contribuintes e Fisco.

O Poder Judiciário tem papel fundamental no que diz respeito à manutenção da segurança jurídica e pacificação dos conflitos submetidos à apreciação, de modo a garantir aos contribuintes a efetividade dos princípios constitucionais, em especial, a segurança jurídica. No entanto, a prolação de decisões arbitrárias com interpretações equivocadas, não obstante situações similares terem sido disciplinadas com tratamentos distintos, a morosidade, o número excessivo de processos e o desrespeito à lei implicam em distanciamento do papel fundamental de garantidor da segurança jurídica.

Dessa forma, além dos aspectos jurídicos, a revisão deste entendimento pelo “STJ”, é essencial também para o aspecto econômico, tendo em vista que a manutenção da liquidação antecipada da garantia, de forma desfavorável aos contribuintes, levará ao sinistro da garantia, o que reduzirá as notas das empresas frente às seguradoras que, por consequência, aumentarão o valor de seu serviço para contratação de novos seguros, culminando na necessidade de realização de depósito judicial de montante que já estava devidamente garantido, caracterizando, portanto, o aumento desnecessário de custos aos executados em violação igualmente ao princípio da menor onerosidade.

Tal situação ferirá, em última instância, os princípios da inafastabilidade de jurisdição, contraditório e ampla defesa, já que, diversas empresas, não terão condições financeiras de depositar os elevados valores.

Qualquer dúvida ou necessidade, o time do Molina Advogados está à disposição.

MOLINA ADVOGADOS

[1] Sundfeld, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª Edição. 6ª Tiragem, 2005. Pags. 53 e 54.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

ASSINE A NOSSA NEWSLETTER PARA FICAR POR DENTRO DAS NOVIDADES