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Em recentes decisões, o Judiciário vem se posicionando a favor da aplicação do Princípio da Anterioridade nos casos em que as empresas são excluídas do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE.
Na última decisão reconhecida, em sede de Embargos de Declaração, a juíza na ocasião tratou sobre a aplicação da anterioridade anual e nonagesimal para cada tributo abarcado pelo programa[1]. Talvez essa tenha sido, até hoje, a decisão mais clara de que tenhamos o conhecimento.
Gostaria de entender mais sobre o assunto? Confira o artigo que preparamos abaixo explicando a respeito do tema.
Sobre o PERSE
A partir da Lei nº 14.148/21[2], foi criado o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos, mais conhecido como PERSE, como mecanismo de auxílio na retomada da economia no período pós-pandêmico.
O programa prevê, no artigo 4º da lei, pelo prazo de 60 meses, a redução a zero da alíquota dos seguintes tributos federais: Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Programa de Integração Social (PIS); e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Os beneficiários da desoneração dos tributos estão elencados no artigo 2º, §1º, e no artigo 4º da referida lei, incluindo aquelas empresas e entidades sem fins lucrativos que exercem atividade relacionada a eventos, seja direta ou indiretamente, como por exemplo as que promovem shows, eventos esportivos, feiras, congressos, festas, serviços de alimentação, transporte, hospedagem etc.
Ocorre que, no dia 02/01/2023, entrou em vigor a Portaria ME nº 11.266/2022[3], que excluiu uma série de códigos de atividades econômicas da relação de atividades enquadradas no PERSE, como por exemplo lanchonetes, bares e buffets. Para saber mais sobre o tema, veja nosso artigo “Ministério da Economia Reduz Setores Beneficiados pelo Perse”.
Tal exclusão ocasionou uma restrição do benefício fiscal para milhares de empresas que tiveram suas expectativas frustradas, já que desde a entrada em vigor do PERSE, construíram todo um planejamento financeiro e de seu desempenho considerando uma carga tributária menor sobre suas atividades.
Agora, os contribuintes se socorrem ao Judiciário visando prorrogar o prazo para início dos efeitos da Portaria, para que não tenham um impacto tão grande em seu caixa, sob o fundamento do Princípio da Anterioridade.
O Princípio da Anterioridade Tributária e seus Efeitos
A Anterioridade Tributária está prevista no Título VI, Capítulo I, Seção II da Constituição Federal[4], onde se instituiu as “limitações do poder de tributar”, e visa garantir a previsibilidade do contribuinte ante a instituição ou majoração de tributos.
Tal princípio é dividido em dois tipos, sendo a Anterioridade de Exercício (ou Anual) e a Anterioridade Nonagesimal, conforme dispõe o artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c”. Vejamos:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III – cobrar tributos:
- b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
- c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
Sendo assim, a alínea “b” refere-se à Anterioridade de Exercício, proibindo a cobrança de tributos no mesmo exercício da publicação da lei que os instituiu ou majorou. Isso significa que, ao instituir ou majorar determinado tributo em um exercício (por exemplo, no ano de 2022), este somente será exigível no exercício seguinte (a partir de 2023).
Já a alínea “c” refere-se à Anterioridade Nonagesimal, indicando que, ao instituir ou majorar determinado tributo, este somente será exigível decorridos 90 dias da data da sua publicação.
Neste sentido, no caso de uma lei publicada no dia 31/12/2022 que institua ou majore determinado tributo, este só poderá ser exigido, em regra, em 01/03/2023, em atenção à Anterioridade Nonagesimal e Anual.
Isto ocorre justamente para atingir a finalidade do princípio e garantir a previsibilidade do contribuinte, evitando a cobrança ou aumento de tributos de forma repentina e inadvertida.
Há que se destacar algumas exceções ao princípio da noventena, como o empréstimo compulsório (para atender a despesas de guerra externa, sua iminência ou calamidade pública), o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, o IOF, o Imposto Extraordinário de Guerra, o Imposto de Renda e o IPTU e IPVA, no que tange à alteração da base de cálculo.
No mesmo sentido, há também tributos que são exceção ao princípio da Anterioridade Anual, quais sejam: o Empréstimo Compulsório para atender a despesas de guerra externa, sua iminência ou calamidade pública, Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IOF, Imposto Extraordinário de Guerra, IPI e as Contribuições para a Seguridade Social.
A Aplicação Prática do Princípio da Anterioridade na Exclusão do PERSE
Com fundamento no Princípio da Anterioridade, a magistrada Karina Lizie Holler, da 3ª Vara Federal de Santo André, em Embargos de Declaração1, acolheu o pedido realizado pela empresa cujo código de sua atividade econômica fora excluído da relação de atividades enquadradas no PERSE.
A análise inicial do litígio foi dada pelo juiz Pablo Rodrigo Diaz Nunes, também da subseção judiciária de Santo André, que se valeu de um precedente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) pontuando ter o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestado no sentido de que a redução ou supressão de benefícios fiscais deve respeitar o princípio da anterioridade.
Entretanto, na sentença, o magistrado apenas considerou na parte dispositiva a Anterioridade Nonagesimal, sendo omisso quanto ao pedido da Anterioridade de Exercício, o que levou o contribuinte a interpor os embargos de declaração.
Nos embargos, de acordo com a juíza, “a controvérsia trazida aos autos não comporta grandes questionamentos haja vista o entendimento pacificado no âmbito do STF quanto à inconstitucionalidade das alterações promovidas pelos Decretos nº 8.415/15, nº 8.543/15 e 9.383/18 no âmbito do REINTEGRA diante da ofensa ao princípio da anterioridade”.
Ainda sobre o exemplo dos debates na seara do Reintegra[5], dirimindo qualquer dúvida quanto à aplicação da Anterioridade Nonagesimal e/ou Anual, pontuou que “a questão já foi delineada pela Suprema Corte no sentido de que a redução de alíquota para creditamento no âmbito do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra configura o aumento indireto de tributo, razão pela qual deve observar o princípio da anterioridade geral (anual) e nonagesimal”.
Sendo assim, a magistrada reconheceu o direito do contribuinte de usufruir da redução das alíquotas, a zero, do PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, na forma da Lei do Perse, “até o prazo em que tais receitas poderão ser efetivamente levadas à tributação, sendo calculado com observância aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal”.
Logo, diante da sujeição à noventena do PIS, COFINS e CSLL, a estes aplicar-se-á a Anterioridade Nonagesimal, com a redução da alíquota para fatos geradores ocorridos até 31/03/2023. Com relação ao IRPJ, entretanto, este estará sujeito à Anterioridade Anual, usufruindo da alíquota zero para fatos geradores ocorridos até 31/12/2023.
Nossas Considerações
Importante ressaltar que o entendimento tratado acima ainda não foi difundido pelos tribunais, embora não seja uma decisão isolada. Recentemente, outra decisão no mesmo sentido foi proferida pela juíza Cristiane Farias Rodrigues dos Santos[6], da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo, na qual concedeu liminar à empresa que também foi excluída da relação das atividades beneficiárias do Perse.
O caso envolvia uma empresa que atuava na execução de serviços combinados para apoio a edifícios (exceto condomínios prediais) que, de modo semelhante, fora excluída do Perse através das alterações promovidas pela Portaria ME nº 11.266/2022. O Mandado de Segurança impetrado objetivava a concessão de liminar para garantir o direito de usufruir dos benefícios fiscais do programa, de modo a apurar o recolhimento de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS pela alíquota zero até 31.12.2023, ou pelo menos até 02.04.2023.
Da mesma forma, observando a sujeição de cada tributo ao tipo de anterioridade, é que a decisão acolheu a medida liminar em parte, garantindo à impetrante o direito de usufruir da alíquota zero de IRPJ para os fatos geradores ocorridos até 31.12.2023, e de CSLL, PIS e COFINS, para os fatos geradores ocorridos até 31.03.2023, abstendo-se o impetrado de exigir tais tributos, até as datas supra fixadas.
Com isso, o que podemos enxergar é que o Judiciário vem adotando um posicionamento mais concreto e claro acerca do assunto, indicando um entendimento favorável às empresas a ser adotado daqui para frente em casos semelhantes.
Neste sentido, destaca-se a necessidade de outros contribuintes, também atingidos por restrições semelhantes, buscarem medidas judiciais para garantir o cumprimento dos princípios constitucionais e evitarem prejuízos causados pelas mudanças promovidas pela Portaria ME nº 11.266/2022.
A equipe do Molina Advogados está à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema. Continue nos seguindo e fique por dentro de todas as novidades tributárias.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[1] TRF3 – 1º Grau – Embargos de Declaração – 3ª Vara Federal de Santo André – MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5000592-83.2023.4.03.6126 – Relatoria KARINA LIZIE HOLLER – Julgado em 12 de maio de 2023; Disponível em: <https://pje1g.trf3.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=784fd4497a8ba93a588ab00449f97ad74fe644181f99db8a> Acesso em 14 jun, 2023.
[2] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14148.htm> Acesso em 14 jun, 2023.
[3] Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-me-n-11.266-de-29-de-dezembro-de-2022-455422559> Acesso em 14 jun, 2023.
[4] Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 14 jun, 2023.
[5] Disponível em: <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/legislacao-por-assunto/reintegra> Acesso em 15 jun, 2023.
[6] TRF3 – 1º Grau – MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5001376-41.2023.4.03.6100 – 9ª Vara Cível Federal de São Paulo – Relatoria CRISTIANE FARIAS RODRIGUES DOS SANTOS – Julgado em 09 de fevereiro de 2023; Disponível em: <https://pje1g.trf3.jus.br/pje/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/listView.seam?ca=ae7382d33192a882588ab00449f97ad74fe644181f99db8a> Acesso em 15 jun, 2023.