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Em março deste ano, a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF decidiu que os valores recebidos pela pessoa jurídica centralizadora no âmbito do contrato de rateio de despesas, ainda que referidos como reembolso, integram a base de cálculo da Cofins. Trata-se de uma mudança importante no entendimento até então predominante sobre o tema que era favorável aos contribuintes. Quer saber mais sobre essa discussão? Veja abaixo o resumo que preparamos para você.
O que é o rateio de despesas?
Também conhecido como cost sharing agreement, o contrato de compartilhamento ou rateio de despesas é uma prática comum entre empresas de um mesmo grupo econômico que possibilita a redução de custos operacionais e otimização de resultados.
Trata-se de um instrumento que permite que algumas atividades, como por exemplo, o suporte administrativo e o desenvolvimento de sistemas de informática sejam centralizados por uma das empresas do grupo e os seus custos divididos com todas as demais, de acordo com os critérios estabelecidos no contrato.
A estrutura permite, assim, uma maximização de resultados e diminuição de gastos por parte das empresas envolvidas, mas não visa geração de lucro.
O tema não é recente e já foi abordado por nós em outros dois artigos: O contrato de compartilhamento como aliado para a “redução” de impostos e Novidades sobre os Contratos de Compartilhamento de Despesas.
Entenda a discussão
No âmbito tributário, a Receita Federal do Brasil (RFB) se posicionou sobre a questão na Solução de Divergência – Cosit n° 23, de 23 de setembro de 2013, em que admitiu que gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizado sejam concentrados em uma empresa do grupo e rateados entre todas as empresas, sem integrar a base de cálculo do Pis e da Cofins.[1]
Ademais, a RFB estabeleceu alguns critérios que devem ser observados no rateio de custos entre empresas do mesmo grupo, quais sejam: (i) correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas; (ii) sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; (iii) correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços; (iv) a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão-somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilize as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; (v) seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.
De modo semelhante o Acórdão nº 1402-003.864, proferido em sessão de 16 de abril de 2019, foi favorável ao contribuinte, admitindo que o fato da unidade centralizadora dos custos e despesas receber das unidades descentralizadas as importâncias que inicialmente suportou, em benefício destas, não configura receita, mas simplesmente reembolso dos valores adiantados.[2] Foi afastada, portanto, a incidência da Cofins sobre tais valores.
Resta inquestionável que até então o posicionamento que prosperava era favorável ao contribuinte e a não incidência de Pis e Cofins sobre os valores recebidos pela centralizadora. Ocorre que em julgamento recente sobre o tema, a Câmara Superior de Recursos Fiscais posicionou-se de maneira diversa, conforme detalharemos a seguir.
Entendimento diverso
Em sessão do dia 17 de março de 2022, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu que incide Cofins sobre os valores recebidos pela centralizadora.[3]
No caso analisou a incidência da contribuição sobre quantias recebidas pela controladora a título de reembolso ou ressarcimento por despesas com serviços compartilhados da área administrativa e de suporte operacional que foram todos suportados pela emissão de notas de débito.
O voto vencedor, redigido pelo conselheiro Luiz Eduardo de Oliveira Santos, fez referência à Solução de Divergência – Cosit nº 23/2013, exposta anteriormente, mas destacou que esta não vincula os Conselheiros do CARF, trata de assunto em que a própria RFB já se manifestou em sentido contrário e não é automaticamente aplicável ao caso em análise.
Ademais, destacou ser inócua a discussão acerca do rateio de gastos vinculados ou não ao objeto da empresa, porque a segregação entre atividade fim e meio não é legal e, no caso, confunde-se a natureza da despesa com sua função na entidade.
No mais, o conselheiro tratou sobre a inexistência de dispositivo da legislação tributária brasileira específico sobre o rateio de despesas comuns (cost sharing), ressaltado que no sistema jurídico brasileiro existem apenas duas situações em que um gasto possa ser realizado por uma pessoa jurídica e o custo repassado para outra, sem que isso caracterize despesa: consórcio e mandato.
Neste sentido, por não existir no caso em questão nenhuma dessas figuras, defendeu que os valores recebidos têm natureza de receita de prestação de serviços, não sendo essencial para sua caracterização a obtenção de lucro.
Deste modo, o Acórdão nº 9303-012.980 fixou o entendimento de que é possível a concentração, em uma única empresa, do controle dos gastos referentes a departamentos de apoio administrativo centralizados, para posterior rateio dos custos e despesas administrativos comuns entre empresas que não a mantenedora da estrutura administrativa concentrada. Entretanto, considerou que os valores recebidos pela pessoa jurídica centralizadora das atividades compartilhadas, das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico, por conta dos serviços prestados, ainda que referidos como reembolso, integram a base de cálculo da Contribuição para a Cofins, devida pela pessoa jurídica centralizadora.
Fique atento!
Como vemos, o recente posicionamento cria considerável insegurança jurídica para os contribuintes quando se trata do contrato de compartilhamento de despesas em um mesmo grupo econômico, uma vez que contraria os entendimentos até então consolidados sobre o tema e poderá levar a um aumento das discussões sobre o tema no Judiciário.
Continue nos seguindo e fique por dentro de todas as novidades sobre o tema que é de extrema relevância para as empresas brasileiras.
Equipe Tributária do Molina Advogados
[1] RFB. Solução de Divergência Cosit nº 23/2013. Disponível em: < http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=46855&visao=anotado>
[2] Processo nº 16327.000525/200515. Acórdão nº 1402003.864 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária. Sessão 16 de abril de 2019. Relator: Lucas Bevilacqua Cabianca Vieira.
[3] Processo nº 19515.003333/2004-51. Acordão nº 9303-012.980 – CSRF / 3ª Turma. Sessão 17/03/2022. Redator: Conselheiro Luiz Eduardo de Oliveira Santos.